quinta-feira, 27 de agosto de 2015

LEMBRANÇAS SEM PASSADO







                                                      Renato Alvarenga



O BOI

Os quartos de boi
pendurados nesta câmara refrigerada
já foram músculos vivos...

A matéria dos homens
já foi carne para as feras.
Éramos os bois das bestas,
que não distinguem o bicho do alimento
e nos consumiam in natura.
Éramos os bois de boiadeiros
de corpos e almas.

Não nos lembramos
amiúde
de que o bife no prato já sentiu:
apesar de processado antes,
o boi do homem continua boi.

Se nem isso percebemos,
menos entenderemos
que o homem ainda é o boi do homem.


Este texto de Renato Alvarenga, poeta que cresce a cada livro, 
apresenta um desdobramento da imagem do boi que prepara a
leitura para a metáfora final. Faça um poema em que uma
imagem-matriz também seja reutilizada e acrescida de novos sentidos.


Marcus Vinicius Quiroga 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O TEMPO E AS CORES






Aldir Blanc


Nada Sei de Eterno

Hoje eu sei
Que esse minuto é tudo

Mas que passa...
Eu sei...
Por isso pede a noite
Que eu pernoite em teus receios
Durma nos teus seios
E se o sol
O mesmo antigo sol da infância
Vindo da distância
Se firmar no horizonte
É pra não durar
Não vou sonhar

Eu vim do inverno
Nada sei de eterno
Vi o amor chorar
Pra depois mudar
Igual a chuva
Que se curva em arco-íris
Abraçando o espaço
Incompleto abraço
Que não deixa queixa

Braço à luz
Não me seduz
Nascer em ti
Depois morrer de ti
Como essa luz morreu
Eu quero um filho teu
Que me estenda
Que me estenda a mão
Ao teu cabelo louro quando embranquecer
Que seja o céu e o sol
Em tua estrada ensombrecida
Tudo em tua vida



Entre outras coisas, esta letra se realiza pela relação cromática e sua simbologia:
arco-íris, luz, sol, louro, embranquecerE ensombrecida: Faça um poema, usando
também imagens visuais, para marcar a mudança dos acontecimentos.    

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O EFEITO IRÔNICO





                                      Chico Buarque



Deus Lhe Pague

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir 
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
 
Por me deixar respirar, por me deixar existir 

Deus lhe pague 

Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí" 
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir 
Um crime pra comentar e um samba pra distrair 

Deus lhe pague 

Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui 
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir 
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi 

Deus lhe pague 

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir 
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir 
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair

Deus lhe pague

Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir 
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir 
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir

Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir 
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir 
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir 

Deus lhe pague 


Faça uma paródia desta letra, mudando a classe social
do sujeito do discurso. Imagine alguém da classe alta
dando graças a Deus.