segunda-feira, 4 de abril de 2011

POESIA E SOLIDARIEDADE

Tecendo a Manhã

1

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


João Cabral de Melo Neto

sexta-feira, 1 de abril de 2011

FIGURAS DE LINGUAGEM

Linguagens


Notei que o vôo negro da hipálage
não tinha o mel dos lábios da metáfora,
e mais notara, se não fora a enálage,
e mais voara, se não fosse a anáfora.

Chorei dois oceanos de hipérbole,
duas velas cortaram a metonímia.
O pé da catacrese já marchava
no compasso toante dessa rima.

Verteu prantos a anímica floresta,
mas entramos dentro do pleonasmo,
‘stamos em pleno oceano da aférese...

Vai-se um expletivo, outro e outro mais...
Os poetas somos muito silépticos;
os poemas, elípticos demais.


Antonio Carlos Secchin