quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

QUINTANEANDO





Cairo de Assis Trindade


Quintanar


nada mais dura:
tudo é pressa pura

tudo se acaba
e se perde:
as pedras, prédios, impérios
tudo o que perdura
são as nuvens
o arco-íris e os vaga-lumes
das noites de primavera

o mais é literatura

Assim como Cairo de Assis Trindade resgatou o ‘mood’
de Mário Quintana, faça um poema que homenageie outro
poeta, usando algum recurso que o identifique.



Marcus Vinicius Quiroga  

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A RENOVAÇÃO DE UM VELHO TEMA


                                                          Renato Rezende



Eu

Esvaziar-me  
e tornar-me nada. 
Viver da mesma maneira,
a mesma coisa, em barracas  
ou palácios. 
Ter o corpo oco, depois de cada encontro  
e durante cada ato 
 
não pensar em nada, não levar nada 
 
para casa 
 
não sentir nem desejo nem raiva. 
 
Que não exista algo chamado Renato. 
Nunca fazer nada. 
Que Renato seja uma máscara  
vazia – mas este espaço 
 
não seja ausência, mas luminosidade. 
 
A coisa mais pura e clara. 
 


Faça um poema com a tradicional temática Eu, incluindo
o seu nome no texto, e fazendo negações e afirmações,
até chegar a revelação final, como o poeta.


Marcus Vinicius Quiroga 


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

POEMA-MONUMENTO






















João Cabral



Num Monumento à Aspirina

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato, 
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia. 

* 

Convergem: a aparência e os efeitos
da lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal,
polido a esmeril e repolido a lima,
prefigura o clima onde ele faz viver
e o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna,
de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olho
a lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina.

Certamente a dor de cabeça crônica de Cabral fez com
que ele escrevesse este texto para musa tão insólita. 
Pense em algo, igualmente estranho, e faça um poema-monumento.



Marcus Vinicius Quiroga  

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

EFEITO SURPRESA



Adágio de Mendelsohn


E como eu tivesse de sair do escritório
e o rádio tocasse o adágio do Concerto para Violino
de Mendelsohn
decidi deixar ligado o aparelho
embora ninguém estivesse ali para apreciar o que se ouvia.
Deixei os livros, o computador, objetos na estante, as canetas,
grampeadores, tesoura, folhas de papel em branco,
deixei tudo entregue
à responsabilidade musical de Mendelsohn.
Quando voltei daí a dez minutos
todos os objetos, absolutamente todos,
olhavam-me agradecidos
e até na paisagem da janela
havia uma densa, muda e imponderável melodia.
Affonso Romano de Sant’Anna



Observe que o efeito poético está nos quatro versos finais, na humanização dos objetos e da paisagem. Faça um texto em que haja também algum tipo de humanização.


Marcus Vinicius Quiroga

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

IMAGENS MATERIAIS





Affonso Romano de Sant’anna

Curva natural

Estou me inclinando para a terra
sem humilhações.

Não estou me abaixando. Em algum espelho, sim,
me contemplando mais perto.
Da planta dos pés eu sei que algo está brotando.

Curvo-me,
curvo-me,
curvo-me
como quem cumpre um ritual
reunindo as pontas do círculo.
Há qualquer coisa de útero e anel.
Às vezes sou ouro puro. Ouroboros.


Neste poema, em que o autor fala da morte como a reunião das pontas de
um círculo, movimento circular de eterno recomeço, aparecem as imagens
de útero, anel e ouroboros. Elas representam este círculo que se completa.
Faça um poema em que haja uma imagem material de suas ideias, assim como
a serpente mordendo o próprio rabo pode simbolizar o movimento contínuo.



Marcus Vinicius Quiroga 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A PLURISSIGNIFICAÇÃO




   
                               AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA



O MORTO CRESCE

O morto cresce estranhamente, logo que morre.
A barba brota-lhe no rosto
e as unhas se alongam.
O morto cresce em nossa mente.

Súbito, recrudesce o afeto
ampliam-se as lembranças,
dilata-se a biografia
nas conversas e jornais.

O morto, antes de morrer completamente
instala-se no nosso espanto
iludindo a própria morte.

Depois, a urgência da vida
toma conta de nossos dias
e o morto se conforma
                                       encolhe-se
e fica amortecido num canto da memória
até morrer de novo
dentro de nossa morte.



Aqui temos o verbo morrer indicando a morte material
e a imaterial (que ocorre dentro dos outros). Pense em
outro verbo que possa ter os dois sentidos (material e
imaterial) e faça seu poema.




Marcus Vinicius Quiroga

domingo, 8 de fevereiro de 2015

AMBIGUIDADE





                                                      Celi Luz



BOIA-FRIA

Mão de obra de engenhos antigos
de sol e chuva se dão, sofridas mãos
em nosso tempo.

Vida de mãos vazias. Escarpadas mãos
como a folha da cana feito lâmina
feito foice.

A boia pouco mais que feijão. As mãos
com seus nós, a cana com seus nós e entrenós.
E nós?


Neste poema de temática social, Celi Luz sintetiza
o problema do boia-fria e a possível indiferença
da sociedade em uma palavra : nós. A ambiguidade
da palavra é o ponto alto do texto para o qual
todos os versos convergem.
Faça um poema em que o sentido ambíguo de uma
palavra seja a sua força literária.



Marcus Vinicius Quiroga 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

OUTRO POEMA DE O DIFÍCIL EXERCÍCIO DAS CINZAS













Ronaldo Costa Fernandes



A PLANTAÇÃO DE EQUÍVOCOS DE MEU PAI

Nas raízes da mais tenra idade,
vi, no quintal, meu pai
cultivar uma plantação de erros.
Era uma beleza de galhos retorcidos, mais densos e rasteiros
como são os pensamentos
em forma de tubérculos
que vivem com a cabeça e o corpo
enfiados na terra.

Aqui, um pé atrás de desconfiança.
Ali, as folhas mortas do desinteresse
e cós cipós do ciúme.

Eu ainda era muito verde para saber
que a vida também é uma fruta:
uns apodrecem ainda em pé,
outros amadurecem enrolados
na quentura dos jornais
enquanto a maioria
segure o ciclo das frutas:
broto, crescimento e
por fim o cárcere dos dentes.


Veja como as imagens se valem de uma área de significação
(quintal, cultivar, galhos, tubérculos, cipós, fruta, apodrecer,
amadurecer, frutas, broto...). Depois faça um poema, usando 
o mesmo recurso e terminado com uma metáfora inusitada
como “cárcere de dentes”.


Marcus Vinicius Quiroga 

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

DIAS INSÓLITOS, O NOVO LIVRO DE MÁRCIO CATUNDA







                                         MÁRCIO CATUNDA



TENTATIVA DE ENTENDER ANTONIN ARTAUD

Criar a sorte, à força de perder a vida.
Enumerar fúrias,
sob o peso do pensamento
e da música que gira: fósforo secreto,
na espiral instantânea.
Fluir na cidade ardente,
neutralizando a angústia,
mediante o conhecimento imediato de si.
Esse foi o resgate e o desperdício
que te embriagou de cosmogonias
e te induziu ao extremo estado de comoção.
Desde então, apaixonado pela vida e pela morte,
consolava-te a ideia de ser um corpo sem órgãos,
livre das trevas absolutas;
a medula desfrutando de raptos furtivos.
Tal foi o preço dos instantes de deslizamento,
em que percebeste o sem sentido das palavras.
Daí te perdeste, na miragem de um cais,
inacessíveis aos tormentos.
Depois de 58 eletrochoques, em Rodez,
acusaste sempre os teus detratores.
Com láudano, em vão,
anestesiavas as feridas
e as instilações dos demônios.
Lutaste contra Deus e contra a psiquiatria.
Falavas de um mal anterior a ti mesmo
e ansiavas pelo delírio febril,
como revés das absurdas esperanças.

Neste texto, Márcio Catunda mostra que poesia também é conhecimento e/ou pesquisa (corpo sem órgãos, Rodez, eletrochoque, psiquiatria), além de ser sempre linguagem (enumerar fúrias / fósforo secreto na espiral instantânea/  miragem de um cais, inacessíveis aos tormentos...).
Escreva um poema sobre alguém, revelando que houve trabalho de pesquisa e cuidado com a linguagem.




Marcus Vinicius Quiroga

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A POESIA É SINÔNIMO DE MOVIMENTO













ANATOMIA DE UM CICLISTA
Ronaldo Costa Fernandes

O ciclista é feito de cabeça, tronco e quatro pernas.
Duas de carne e duas de roda.
O ciclista não tem destino
pois o destino é a própria locomoção.
Os motociclistas têm também sua anatomia.
Os motociclistas não necessitam
das pernas de rodas
porque têm vísceras de motor.
As vísceras,
que são motores de carne,
são motores lentos como cavalos no pasto.
Só são poderosos em movimento
e, estanques, submergem ao próprio peso.
Sempre perseguem o movimento
pois há de seguir em frente –
o ciclista não tem marcha a ré.
As pernas de máquina por mais que façam
não escapam do globo da morte
e, se pensam que andam em linha reta,
não percebem que dão voltas em torno de si.


Faça um poema em que haja uma definição de uma profissão ou de uma atividade (como o ciclismo), desconstruindo as explicações óbvias e previsíveis, como fez Ronaldo Costa Fernandes, autor do excelente O difícil exercício das cinzas.



Marcus Vinicius Quiroga 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

ÁLBUM SEM FAMÍLIA, O NOVO LIVRO DE RICARDO ALFAYA



                                        RICARDO ALFAYA


FOTO 085: FECHA-SE O DIAFRAGMA

Baixa-se a tampa:
pela última vez,
contempla-se a estampa do corpo morto.
Caixão: definitiva câmara,
derradeira foto de uma cara.
Final de espetáculo,
em que todo o mundo vira palhaço,
em bizarro palco coberto de flores
(inútil pedir bis).
Despetalam-se as dores,
desatam-se da família os laços.
O patético final de ato
deixa tudo e todos em pedaços.
Na urna, o estranho e extremo voto:
um rígido rosto,
a imagem de santinho,
que todo o cadáver tem.
Real e viva, a foto exclusiva
para quem ao cemitério vem.
Imagem dura e fria,
que nunca fará parte
do álbum de família.


   No poema, retirado do livro Álbum sem família, há a quebra
da expectativa, como no título, uma vez que a família se
ausentou do álbum. Reparemos que as imagens são feitas
com o vocabulário relativo à fotografia, dando unidade ao livro:
diafragma, tampa, estampa, câmara, imagem, foto....
   Faça um poema em que haja a mudança de uma expressão
consagrada, como álbum de família; e que esta mudança
represente uma crítica.





Marcus Vinicius Quiroga