segunda-feira, 28 de julho de 2014

HANS CHRISTIAN E DRUMMOND



Hans Christian Andersen disse  “que os contos de fadas são escritos para que as crianças durmam, mas também para que os adultos despertem.”

Canção Amiga


Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não se vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
como quem anda ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

Faça um poema que tenha por base um texto
em prosa de um autor conhecido.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

EXERCÍCIOS COM MANUEL BANDEIRA

OS SAPOS


Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à guerra!”
— “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”

Em, Os sapos, Bandeira critica o Parnasianismo. Faça um texto  metalinguístico sobre alguma estética literária.


PORQUINHO-DA-ÍNDIA


Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.


Faça um texto em prosa dizendo o que foi metaforicamente seu(sua) primeiro(a) namorado(a), como o porquinho-da-índia foi para Bandeira.


POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL

João Gostoso era carregador de feira livre
e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.


Escolha um poema e o transforme em um texto em prosa, como se fosse uma notícia de jornal, fazendo, assim, o trajeto inverso ao de Bandeira.



O BICHO


Vi ontem um bicho
na imundície do pátio
catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
não examinava nem cheirava:
engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
não era um gato,
não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


Neste poema, para dar a dimensão da miséria humana, 
Bandeira mostra o homem se comportando como um bicho. 
Pense em outra analogia para fazer uma crítica social que 
revele as circunstâncias adversas da condição humana.

terça-feira, 15 de julho de 2014

EXERCÍCIOS COM CABRAL E GULLAR


JOÃO CABRAL DE MELO NETO

UMA FACA SÓ LÂMINA

Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;
assim como uma bala
do chumbo mais pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado;
qual bala que tivesse um
vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo
igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,
relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;
assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;
qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto
de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.



Faça um texto em que haja comparações, de preferência inesperadas, para a descrição poética de um objeto.

FÁBULA DE UM ARQUITETO

A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e teto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.

Neste texto, temos “construir o aberto”,  contrariando 
a expectativa de ser sempre a construção de algo fechado. 
Faça um texto em que haja este tipo de imagem, 
usando algum verbo para criar a imagem-surpresa.


FERREIRA GULLAR


TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Traduzir-se se estrutura em oposições (uma parte/outra parte) em todas as estrofes. Faça um texto que tenha como base também algum tipo de oposição.




MAU DESPERTAR

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorrem
uns restos de treva.



No poema de Gullar, a imagem final (uns restos de treva escorrem dos olhos) é a razão poética do texto. Escreva um texto que se encaminhe para um final metafórico.


PERPLEXIDADES


a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado



O poema termina com um aparente paradoxo (no presente do passado), causando um impacto na leitura. Use o mesmo recurso em seu texto. 

GUARDEM OS POEMAS DE ASTRID CABRAL E ANTÔNIO CÍCERO



BALANGANDÃS

Tive anelzinho de ouro
com nome gravado na chapa
(no azougue mudava de cor)
Tive anelzinho de brilhante
pra usar no dedo mindinho.
Pulseiras de pau-d’angola
com berloques e sininhos
figa de marfim da índia
dente de onça encastoado
tive cordões trancelins
com santos bentos e cruzes
amuletos pra mau-olhado.
Argolinhas de prata brincos
pérolas gotas dançantes
montadas em marcassita.
Tive muitas medalhas
por prêmios escolares.
Colares de rosas saxe
e de miúdas madrepérolas.
Um relógio Longines pra...
nunca mais me atrasar...
Perdi os balangandãs
todos sem sequer me dar
conta e sem chorar nenhum.
Não soube cuidar. Não aprendi
a guardá-los fora da lembrança.

Astrid Cabral


GUARDAR

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
 Antonio Cicero




Compare os dois poemas quanto ao conceito de guardar e faça um poema em que haja a diferença entre o material (a gaveta) e o imaterial (a lembrança), como no final do texto de Astrid Cabral.
Use um substantivo abstrato diferente de lembrança.