segunda-feira, 27 de agosto de 2012

LEMINSKINARES


A MÃO SÓ COLHE

O QUE ESCOLHE

(MAS SERÁ QUE SABE?)

 

NADA DE ADÁGIOS,

ANEXINS OU MÁXIMAS

NUM POEMA MÍNIMO.

 

OUTRORA

HAVIA A PALAVRA OUTRORA.

HÁ O SILÊNCIO AGORA.

 

NO ROSTO O RISO

ESCONDE O ROSTO.

O SEGREDO É VISÍVEL

NO QUE LHE É SOBREPOSTO

 

POEMAS NÃO EMBRIAGAM,

NEM PAGAM DESPESAS NO BAR,

BAUDELAIRE.

POEMAS ÀS VEZES AFAGAM

E FOGEM

ASSIMÉTRICOS.

 

QUER ACREDITE (OU NÃO)

ARRISQUE UM PALPITE NO ACASO

A VIDA SÓ SURPREENDE

QUEM DELA FAZ POUCO CASO

 

OS TEMPOS ERAM QUASE TREVA

O POEMA , QUASE TROVA.

TUDO ISTO POSTO,

ERA QUASE DEMAIS PRO MEU GOSTO.

 

A FLAUTA REVÊ A FALTA

QUE O SOM FAZ:

UM DIA TEVE NA MÃO

MUITO MAIS

QUE UMA ALITERAÇÃO.

MAS DEU OUVIDO

A AMIGOS CRÍTICOS

E O SOM SE FOI

POR ONDE A FLAUTA NÃO VAI:

UMA CANÇÃO A DOIS

EM TEMPOS ATRÁS.

 

 

quarta-feira, 15 de agosto de 2012


DO LP



Brasil, Do Guarani Ao Guaraná (1968)Sidney Miller:Pois É, Pra Quê?





Pois é pra quê?



O automóvel corre
A lembrança morre
O suor escorre
E molha a calçada
Há verdade na rua
Há verdade no povo
A mulher toda nua
Mais nada de novo
A revolta latente
Que ninguém vê
E nem sabe se sente
Pois é – pra quê?

O imposto, a conta
O bazar barato
O relógio aponta
O momento exato
Da morte incerta
A gravata enforca
O sapato aperta
O país exporta
E na minha porta
Ninguém quer ver
Uma sombra morta
Pois é – pra quê?

Que rapaz é esse?
Que estranho canto!
Seu rosto é santo
Seu canto é tudo
Saiu do nada
Da dor fingida
Desceu a estrada
Subiu na vida
A menina aflita
Ele não quer ver
A guitarra excita
Pois é – pra quê?

A fome, a doença
O esporte, a gincana
A praia compensa
O trabalho, a semana
O chope, o cinema
O amor que atenua
O tiro no peito
E o sangue na rua
A fome a doença
Nem sei mais porque
Que noite, que lua
Meu bem – pra quê?

O patrão sustenta
O café, o almoço
O jornal comenta
Um rapaz tão moço
O calor aumenta
A família cresce
O cientista inventa
Uma flor que parece
A razão mais segura
Pra ninguém saber
De outra flor que tortura
Pois é – pra quê?

No fim do mundo
Tem um tesouro
Quem for primeiro
Carrega o ouro
A vida passa
No meu cigarro
Quem tem mais pressa
Que arranje um carro
Pra andar ligeiro
Sem ter porque
Sem ter pra onde
Pois é – pra quê?

Pois é – pra quê?








Depois de 44 anos, como lemos esta letra do talentoso Sidney Miller?

Mudou o país? Mudamos nós? Pouco mudou? Nada mudou?

Para que ocasiões ela ainda serve de fundo musical?





Marcus Vinicius Quiroga  

terça-feira, 14 de agosto de 2012


POEMA DE SETE MÁSCARAS



Quando morri ,

o cineasta Godard

disse: “Basta de fita!

Não faça cena!

No cinema

todo sangue é extrato de tomate”.



Os livros espiam da estante

Os discos se espalham na noite.

Nada será como antes,

se houvesse na agenda o tempo.



O vagão passa cheio de tecnologia:

celulares, iPods, tablets.     

Para que tanta fala

e tão pouco diálogo?

Pergunto a mim, do outro lado.



O homem atrás dos óculos

é sério e simples. Irônico

o destino e seus clichês.

Lê Sartre e Camus

num bulevar francês.



Onde é que Deus se esconde,

perdidos o bonde

e a esperança?



Mundo mundano mundo,

não fossem tantos os danos.

Meu coração contemporâneo

acha chato ser moderno

e chatas as máscaras modernas

que ignoram a história.



Eu não sei se devo escrever

se versos são enigmas ou achados,

mas essa lua de ateliê

mas essa rua sem saída

mas essa vida que passa ao largo.



Marcus Vinicius Quiroga

quinta-feira, 9 de agosto de 2012


CÓDIGO POSTAL


Faz tempo que me mudei.
Às vezes mudo e não falo nada a ninguém.
Nada me endereça.
Sou destinatário de todas as entregas equivocadas.

Não gosto de mergulhar em mim.
O sal do pensamento é grosso.
No fundo sou um sujeito que não dá pé.
Por isso cada mergulho é um naufrágio.
E não faz bem à saúde
naufragar todos os dias.



Ronaldo Costa Fernandes





    Vejamos um exemplo de poesia  contemporânea  de Ronaldo Costa Fernandes, escritor de primeira linha. Algumas áreas semânticas se desenvolvem. Primeiro a do título, com mudar, endereçar, destinatário e entrega; depois a de mar, com mergulhar, sal, dar pé, e naufrágio. Ambas são tratadas metaforicamente.

   Mudar é mudar de endereço e mudar como pessoa, unindo as relações de exterior e interior. Desta forma, os versos adquirem ambiguidade: “Às vezes mudo e não falo nada a ninguém”.  A princípio, o verso seria lido como mudar de endereço, mas por que não lê-lo também como mudar internamente?

     A expressão coloquial “dar pé”  é usada de modo inesperado. Dizemos que o mar não dá pé, quando é fundo, ou “dar pé” pode significar ser viável. Ser um sujeito que não pé pode ser um sujeito com profundidade ou inviável. A duplicidade de sentidos justifica o termo naufrágio.

O poema termina com outra expressão coloquial “fazer bem à saúde”. E o dito ( naufragar todos os dias não faz bem à saúde) que pareceria óbvio adquire um frescor, uma surpresa que caracteriza o que chamamos de poético.

    Notemos como deste modo uma temática séria é apresentada com bom humor e inteligência.





Marcus Vinicius Quiroga

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Tecendo a Manhã
1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

 João Cabral de Melo Neto


    Embora Cabral fizesse questão de dizer que não gostava de música, usou exaustivamente na segunda parte  do poema a alietração do fonema /t/. Faça um poema em que haja o recurso da aliteração (repetição de um fonema consonantal) com finalidade expressiva.