CÓDIGO POSTAL
Faz tempo que me mudei.
Às vezes mudo e não falo nada a ninguém.
Nada me endereça.
Sou destinatário de todas as entregas equivocadas.
Não gosto de mergulhar em mim.
O sal do pensamento é grosso.
No fundo sou um sujeito que não dá pé.
Por isso cada mergulho é um naufrágio.
E não faz bem à saúde
naufragar todos os dias.
Às vezes mudo e não falo nada a ninguém.
Nada me endereça.
Sou destinatário de todas as entregas equivocadas.
Não gosto de mergulhar em mim.
O sal do pensamento é grosso.
No fundo sou um sujeito que não dá pé.
Por isso cada mergulho é um naufrágio.
E não faz bem à saúde
naufragar todos os dias.
Ronaldo Costa
Fernandes
Vejamos um exemplo de poesia contemporânea de Ronaldo Costa Fernandes, escritor de
primeira linha. Algumas áreas semânticas se desenvolvem. Primeiro a do título,
com mudar, endereçar, destinatário e entrega; depois a de mar, com mergulhar,
sal, dar pé, e naufrágio. Ambas são tratadas metaforicamente.
Mudar é mudar de endereço e mudar como
pessoa, unindo as relações de exterior e interior. Desta forma, os versos
adquirem ambiguidade: “Às vezes mudo e não falo nada a ninguém”. A princípio, o verso seria lido como mudar de
endereço, mas por que não lê-lo também como mudar internamente?
A expressão coloquial “dar pé” é usada de modo inesperado. Dizemos que o mar
não dá pé, quando é fundo, ou “dar pé” pode significar ser viável. Ser um
sujeito que não pé pode ser um sujeito com profundidade ou inviável. A
duplicidade de sentidos justifica o termo naufrágio.
O poema termina com
outra expressão coloquial “fazer bem à saúde”. E o dito ( naufragar todos os
dias não faz bem à saúde) que pareceria óbvio adquire um frescor, uma surpresa que
caracteriza o que chamamos de poético.
Notemos como deste modo uma temática séria
é apresentada com bom humor e inteligência.
Marcus Vinicius
Quiroga
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