quinta-feira, 9 de agosto de 2012


CÓDIGO POSTAL


Faz tempo que me mudei.
Às vezes mudo e não falo nada a ninguém.
Nada me endereça.
Sou destinatário de todas as entregas equivocadas.

Não gosto de mergulhar em mim.
O sal do pensamento é grosso.
No fundo sou um sujeito que não dá pé.
Por isso cada mergulho é um naufrágio.
E não faz bem à saúde
naufragar todos os dias.



Ronaldo Costa Fernandes





    Vejamos um exemplo de poesia  contemporânea  de Ronaldo Costa Fernandes, escritor de primeira linha. Algumas áreas semânticas se desenvolvem. Primeiro a do título, com mudar, endereçar, destinatário e entrega; depois a de mar, com mergulhar, sal, dar pé, e naufrágio. Ambas são tratadas metaforicamente.

   Mudar é mudar de endereço e mudar como pessoa, unindo as relações de exterior e interior. Desta forma, os versos adquirem ambiguidade: “Às vezes mudo e não falo nada a ninguém”.  A princípio, o verso seria lido como mudar de endereço, mas por que não lê-lo também como mudar internamente?

     A expressão coloquial “dar pé”  é usada de modo inesperado. Dizemos que o mar não dá pé, quando é fundo, ou “dar pé” pode significar ser viável. Ser um sujeito que não pé pode ser um sujeito com profundidade ou inviável. A duplicidade de sentidos justifica o termo naufrágio.

O poema termina com outra expressão coloquial “fazer bem à saúde”. E o dito ( naufragar todos os dias não faz bem à saúde) que pareceria óbvio adquire um frescor, uma surpresa que caracteriza o que chamamos de poético.

    Notemos como deste modo uma temática séria é apresentada com bom humor e inteligência.





Marcus Vinicius Quiroga

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