quinta-feira, 31 de outubro de 2013

VAMOS PRA BALADA?





Balada Do Louco


Dizem que sou louco
por pensar assim
Se eu sou muito louco
por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz

Se eles são bonitos,
sou Alain Delon
Se eles são famosos,
sou Napoleão
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz

Eu juro que é melhor Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu

Se eles têm três carros,
eu posso voar
Se eles rezam muito,
eu já estou no céu
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz

Eu juro que é melhor Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu

Sim sou muito louco,
não vou me curar
Já não sou o único
que encontrou a paz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, eu sou feliz

 
   Arnaldo Baptista participou como diretor musical de uma montagem de Heliogábalo, de Artaud,
mas abandonou-a antes da estreia.
   Em homenagem a Arnaldo, o texto Elegia para Artaud ( do livro Campo de trigo Maduro),


pensamentos amanhecem dependurados
por uma corda

um corpo sem órgão
se projeta na página em branco

mais tarde enfermeiros
recolherão o sudário do espanto

o teatro não deve ser evasão:
tem que quebrar os ossos dos homens

e que sejam inúteis as camisas de força,
                               quando a vida se rompe



  O outsider é figura que frequenta poemas, letras, peças, pinturas...Arnaldo João Baptista
ofereceu a própria cabeça àqueles que, de cabeça baixa, não olham o caos de estrelas nem os homens-pássaro que flutuam por aí.
   Não há acaso nos diálogos.
   Os lugares-comuns são a pior espécie de silêncio, pois igualam muitas fisionomias a uma só máscara: a hipocrisia da linguagem.    
 
     
      Marcus Vinicius Quiroga

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

ESTE POEMA ACONTECEU




River Phoenix
Se um dia a gente se encontrar
e eu confessar
que vi um filme tantas vezes
para desvendar os olhos teus
E se a gente se falar
contar as coisas que viveu
o que esperamos do amanhã
será que pode acontecer?
Pois, paralelo ao personagem,
eu quis saber mesmo é de ti
Queria que fosses feliz
uma água calma a inundar
a sua margem de carinho
um peito aberto a quem chegar
Como o teu nome, diferente
Uma paisagem nos induz
Uma paisagem de inocência
Mas que se sabe e que conduz
Conduz agora este momento
O pensamento e os olhos meus
brilhando de emoção e grato
alguém que só te conheceu
num filme que viu tantas vezes
Este poema aconteceu

   Ouça Milton Nascimento e deixe que poemas aconteçam. 

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

POR QUE ESCREVO?





O mapa ( Gonçalo Tavares)


Sempre senti a matemática como uma presença
física; em relação a ela vejo-me
como alguém que não consegue
esquecer o pulso porque vestiu uma camisa demasiado apertada
nas mangas.
Perdoem-me a imagem: como
num bar de putas onde se vai beber uma cerveja
e provocar com a nossa indiferença o desejo
interesseiro das mulheres, a matemática é isto: um
mundo onde entro para me sentir excluído;
para perceber, no fundo, que a linguagem, em relação
aos números e aos seus cálculos, é um sistema,
ao mesmo tempo, milionário e pedinte. Escrever
não é mais inteligente que resolver uma equação;
Porque optei por escrever? Não sei. Ou talvez saiba:
entre a possibilidade de acertar muito, existente
na matemática, e a possibilidade de errar muito,
que existe na escrita (errar de errância, de caminhar
mais ou menos sem meta) optei instintivamente

pela segunda. Escrevo porque perdi o mapa.


  Faça um texto, dizendo, através de imagens, por que você escreve.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

ARTE E TEMPO

26

Soltas dos olhos do corpo há figuras
vivendo noutro plano, sem matéria
ali, transfiguradas criaturas,
visíveis mas de origem num mistério.
São e não são, estão além dos textos,
e sem medida e sem qualquer pretexto.

Porque não basta à vida a realidade,
vagas figuras a transformam, surge
de um quase nada essa necessidade,
cirando uma sem ente, algum futuro.
Porque não basta à vida ser tão breve
o homem a recria quando escreve.

    Este é o poema número 26 do livro Altamira e Alexandria, de Izacyl Guimarães Ferreira. Todos os poemas são feitos de duas estrofes de seis versos, em decassíla-bos. Neste exemplo, vemos como arte e tempo se entrelaçam, sendo os dois eixos fundamentais da obra.

    Com base na leitura do tempo, façamos outro sobre como a arte modifica a noção de tempo.  

sábado, 5 de outubro de 2013

PAISAGEM PELO TELEFONE


Sempre que no telefone 
me falavas, eu diria
 
que falavas de uma sala
 
toda de luz invadida,
 

sala que pelas janelas, 
duzentas, se oferecia
 
a alguma manhã de praia,
 
mais manhã porque marinha,
 

a alguma manhã de praia 
no prumo do meio-dia,
 
meio-dia mineral
 
de uma praia nordestina,
 

Nordeste de Pernambuco, 
onde as manhãs são mais limpas,
 
Pernambuco do Recife,
 
de Piedade, de Olinda,
 

sempre povoado de velas, 
brancas, ao sol estendidas,
 
de jangadas, que são velas
 
mais brancas porque salinas,
 

que, como muros caiados 
possuem luz intestina,
 
pois não é o sol quem as veste
 
e tampouco as ilumina,
 

mais bem, somente as desveste 
de toda sombra ou neblina,
 
deixando que livres brilhem
 
os cristais que dentro tinham.
 

Pois, assim, no telefone 
tua voz me parecia
 
como se de tal manhã
 
estivesses envolvida,
 

fresca e clara, como se 
telefonasses despida,
 
ou, se vestida, somente
 
de roupa de banho, mínima,
 

e que por mínima, pouco 
de tua luz própria tira,
 
e até mais, quando falavas
 
no telefone, eu diria
 

que estavas de todo nua, 
só de teu banho vestida,
 
que é quando tu estás mais clara
 
pois a água nada embacia,
 

sim, como o sol sobre a cal 
seis estrofes mais acima,
 
a água clara não te acende:
 
libera a luz que já tinhas.


 Faça um texto sobre uma paisagem que não pode ser vista por você,
 com motivação no texto de João Cabral. Primeiro, pense bastante para 
 escolher o lugar do qual você imaginará a paisagem; depois, escreva-a.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A POESIA E A MENSAGEM NA GARRAFA


CORSÁRIO   (ALDIR BLANC)


Meu coração tropical está coberto de neve mas
Ferve em seu cofre gelado, a voz vibra e a mão escreve: Mar
Bendita a lâmina grave que fere a parede e traz
As febres loucas e breves que mancham o silêncio e o cais
Roseirais, Nova Granada de Espanha
Por você, eu, teu corsário preso
Vou partir a geleira azul da solidão
E buscar a mão do mar, me arrastar até o mar, procurar o mar
Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar
Meu coração tropical partirá esse gelo e irá
Com as garrafas de náufragos e as rosas partindo o ar
Nova Granada de Espanha e as rosas partindo o ar
Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar
Meu coração tropical partirá esse gelo e irá