sábado, 31 de agosto de 2013

REFEIÇÃO EM FAMÍLIA


Torquato Neto

                                                     
                                                     

DEUS VOS SALVE ESTA CASA SANTA
(Torquato Neto)


Um bom menino perdeu-se um dia 
Entre a cozinha e o corredor
 
O pai deu ordem a toda família
 
Que o procurasse e ninguém achou
 
A mãe deu ordem a toda polícia
 
Que o perseguisse e ninguém achou
 

Ó deus vos salve esta casa santa
 
Onde a gente janta com nossos pais
 
Ó deus vos salve essa mesa farta
 
Feijão verdura ternura e paz
 

No apartamento vizinho ao meu
 
Que fica em frente ao elevador
 
Mora uma gente que não se entende
 
Que não entende o que se passou
 
Maria Amélia, filha da casa,
 
Passou da idade e não se casou
 

Ó deus vos salve esta casa santa
 
Onde a gente janta com nossos pais
 
Ó deus vos salve essa mesa farta
 
Feijão verdura ternura e paz
 

Um trem de ferro sobre o colchão
 
A porta aberta pra escuridão
 
A luz mortiça ilumina a mesa
 
E a brasa acesa queima o porão
Os pais conversam na sala e a moça 
Olha em silêncio pro seu irmão
 

Ó deus vos salve esta casa santa
 
Onde a gente janta com nossos pais
 
Ó deus vos salve essa mesa farta
 
Feijão verdura ternura e paz
 





















      Belchior




NA HORA DO ALMOÇO
(Belchior)


No centro da sala,
diante da mesa,
no fundo do prato,
comida e tristeza.
A gente se olha,
se toca e se cala
E se desentende
no instante em que fala.
Cada um guarda mais o seu segredo,
sua mão fechada
sua boca aberta
seu peito deserto,
sua mão parada,
lacrada,
selada,
molhada de medo.
Pai na cabeceira: É hora do almoço.
Minha mãe me chama: É hora do almoço.
Minha irmã mais nova, negra cabeleira...
Minha avó me chama: É hora do almoço.
... E eu inda sou bem moço
pra tanta tristeza.
Deixemos de coisas,
cuidemos da vida,
senão chega a morte
ou coisa parecida,
e nos arrasta moço
sem ter visto a vida
ou coisa parecida aparecida




  A hora da refeição serve para os letristas fazerem um retrato da família.
  Faça um poema, também com um olhar crítico, sobre  uma cena familiar.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

CANÇÃO PARA O BIP BIP




O BIP-BIP
(Eber de Freitas)

 
Quero desfilar o cordão
da rua que faz esquina
com meu coração
e dá no Rio, à beira- mar,
em Copacabana.

Seguir a saudade e cantar
o que se repete (em mim)
no peito e na cabeça assim:
Bip-Bip-Violão-bandolim.

Ancorar na porta do bar
de samba-choro-bossa e clamar:
– Ô Alfredinho, vencá!
Cadê o regente da sinfonia popular?

Quero ouvir o canto que não morre,
a voz  do  povo  que  balança
berço de samba em botequim.
Bip-Bip-Pandeiro-tamborim.

Quem bebe no Bip canção e poesia
não desatina a harmonia.
Bate corda, bate couro do tambor
e responde em voz de louvor:

Salve Donga e Pixinga
Salve o choro e o amor!
Salve o Bip-Bip
Salve o samba, Sinhô!


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O OLHAR DA POESIA

Paixão  (Adélia Prado)


De vez em quando Deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo.
O mundo, cheio de departamentos,
não é a bola bonita caminhando solta no espaço.

Substantivos (Tanussi Cardoso)

Faca é faca
Pão é pão
Fome é fome
Amor é amor

Estranho desígnio das coisas
De serem exatamente elas
Quando as olhamos sem paixão



 Nos dois textos temos o verbo “olhar”, mostrando que a poesia também está no olhar, no modo de olhar que precede o ato de escrever. Ou seja, poesia é ter uma visão diferente. Sem poesia, a poeta vê a pedra apenas como pedra.
   Faça um poema em que o “seu” olhar de poeta apareça.



Marcus Vinicius Quiroga

O OLHAR DA POESIA












Paixão  (Adélia Prado)


De vez em quando Deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo.
O mundo, cheio de departamentos,
não é a bola bonita caminhando solta no espaço.

Substantivos (Tanussi Cardoso)
Faca é faca
Pão é pão
Fome é fome
Amor é amor

Estranho desígnio das coisas
De serem exatamente elas
Quando as olhamos sem paixão



 Nos dois textos temos o verbo “olhar”, mostrando que a poesia também está no olhar, no modo de olhar que precede o ato de escrever. Ou seja, poesia é ter uma visão diferente. Sem poesia, a poeta vê a pedra apenas como pedra.
   Faça um poema em que o “seu” olhar de poeta apareça.

Marcus Vinicius Quiroga 


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

LEIA "EM OBRAS", DE DELAYNE BRASIL



                                                          Delayne Brasil


NO OUTONO, GANHEI GIRASSÓIS

Do sangue de Van Gogh
escorrem pontilhados,
pinceladas, espirais;
disparam girassóis
Ontem choveu frio
Hoje, dois presentes:
o céu de outono no Rio
e você num ramalhete

    No final do poema, temos um presente duplo: uma estação (vista como a mais bonita da
cidade) e uma pessoa. Esta associação inusitada causa um impacto, reforçado pela metonímia
da palavra ramalhete.
    Faça um poema em que o final seja  também metonímico.    


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O DIZER E O COMO DIZER

João Cabral de Melo Neto

TECENDO A MANHÃ

1

Um galo sozinho não tece uma manhã:
 
ele precisará sempre de outros galos.
 
De um que apanhe esse grito que ele
 
e o lance a outro; de um outro galo
 
que apanhe o grito de um galo antes
 
e o lance a outro; e de outros galos
 
que com muitos outros galos se cruzem
 
os fios de sol de seus gritos de galo,
 
para que a manhã, desde uma teia tênue,
 
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
 
se erguendo tenda, onde entrem todos,
 
se entretendendo para todos, no toldo
 
(a manhã) que plana livre de armação.
 
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
 
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
 ~

   Neste poema temos a temática social e a linguagem trabalhada ao mesmo tempo, o que nem sempre ocorre. Muitos poetas, quando privilegiam um tema social ou político, descuidam-se da linguagem, por acharem que o conteúdo basta.
   Faça um texto em que o tema (como em Tecendo a manhã) seja fundamental, mas que apresente também um cuidado com a os aspectos formais.



Marcus Vinicius Quiroga

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O DITO E O NÃO DITO


                                                     CHICO BUARQUE




OLHOS NOS OLHOS

Quando você me deixou, meu bem,
Me disse pra ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci,
Mas depois, como era de costume, obedeci.
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando,
Me pego cantando, sem mais, nem por quê.
Tantas águas rolaram,
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você.
Quando talvez precisar de mim,
Você sabe que a casa é sempre sua, venha sim.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você diz.
Quero ver como suporta me ver tão feliz.

 

ATRÁS DA PORTA


Quando olhaste bem nos olhos meus,
E o teu olhar era de adeus.
Juro que não acreditei.
Eu te estranhei, me debrucei, sobre teu corpo,
E duvidei, e me arrastei, e te arranhei,
E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pelos,
Teu pijama, nos teus pés, ao pé da cama,
Sem carinho, sem coberta,
No tapete atrás da porta,
Reclamei baixinho.
Dei pra maldizer o nosso lar,
Pra sujar teu nome, te humilhar,
E me vingar a qualquer preço.
Te adorando pelo avesso.
Só pra mostrar que ainda sou tua.
Até provar que ainda sou tua.



  
   Nas duas letras de Chico Buarque vemos que o dito esconde o seu oposto. O eu poético feminino, ao se dirigir ao ex-amado (ou amado), mostra nas entrelinhas dizer o contrário do que está escrito. Na segunda letra, o verso “te adorando pelo avesso”, desvenda o real sentido dos seus atos, pois negar alguém (ou algo) é ainda uma forma de valorizá-lo.
   Feita a leitura das letras, faça um texto em que o enunciado traia ou esconda a sua verdadeira intenção.