quinta-feira, 13 de setembro de 2012



DIÁLOGOS

Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente ... e não a gente a ele!



Muitos  críticos, em vez de me julgarem pelo que eu sou, julgam-me pelo que eu não sou. É como quem olhasse um pessegueiro e dissesse: "Mas isto não é um trator!"

Mario Quintana


  Nos todos gostamos quando, ao lermos um poema, nos identificamos com o que é dito, como se ele tivesse sido escrito para nós. E às vezes até acredita-mos nisto. Daí a impressão de que ele nos lê, nos adivinha, e se torna nosso porta-voz.
   A identificação, a empatia por parte do receptor com qualquer obra de arte é fundamental. Mas não é critério exclusivo de qualidade, pois um texto que des-perta a identificação do leitor não é necessariamente um bom texto

    Esta resposta de Quintana em uma entrevista talvez seja o meu dizer quintaniano preferido. Pois não só os críticos, mas nos diálogos literários e não literários, o que mais vemos é a expectativa prevalecer sobre a mensagem. Esperamos que pessegueiro seja um trator e nos frustramos, quando percebemos que não estamos diante de um trator. E sequer temos olhos para os pêssegos da árvore.
   Mal maior: continuarmos a falar com um pessegueiro na língua do trator, tal a obsessão e a cegueira. E reclamaremos que o pessegueiro não fez o trabalho certo de arar o campo.
   Quem não sair de si para olhar o pessegueiro, vai envelhecer  criticando o trator que não existe.
   A poesia é sempre uma ilha dialógica diante do continente narcísico de monólogos


Marcus Vinicius Quiroga

quinta-feira, 6 de setembro de 2012


 

Velhos Amigos


 

Velhos amigos vão sempre se encontrar
Seja onde for, seja em qualquer lugar
O mundo é pequeno, o tempo é invenção
Que o amor desfaz na tua mão

Nada passou, nada ficará
Nada se perde, nada vai se achar
Põe nosso nome na planta do jardim
Vivo em você e você dorme em mim

E quando eu olho o imenso azul do mar
Ouço teu riso e penso: onde é que está?
A nossa planta o vento não desfez
É nunca mais, mas é mais uma vez
 

   Nesta letra de Montenegro, vemos nos versos “Nada passou, nada ficará” e “É nunca mais, mas é mais uma vez”  o uso do paradoxo. A princípio todo paradoxo é absurdo, pois lida com contradições, ou seja, a segunda afirmação entra em choque com a primeira e a desfaz. Se isto é certo do ponto de vista linguístico, nem sempre o é sob o prisma das interpretações. E a existência é repleta de paradoxos, que, ironicamente, fazem muito sentido.

   “Nunca mais” e “mais uma vez” se referem ao tempo, mas, se o tempo no dizer do compositor é invenção, os sentimentos conseguem compreender o choque de sentidos e reconhecem que muitas vezes só os paradoxos dão conta da enunciação.

 

Marcus Vinicius Quiroga

segunda-feira, 3 de setembro de 2012


 

LITERÁRIAS

 

Castro Alves

mostrou

que até os românticos

dão um tiro no pé.

 

Álvares de Azevedo

segundo Mário de Andrade,

tinha síndrome de “amor e medo”.

 

Gonçalves Dias

deixou o Maranhão

só para escrever uma canção.

Parece que não sabia

que em São Luís

já teria seu exílio.

 

Eis um típico engano:

o  romântico achou

que tinha o amor sob controle

e tornou-se parnasiano.

 

 

 

 

O poeta ouviu

o crítico do andar de cima

e preferiu a rima à solução.

Mesmo o romantismo

tem que ter um pé no chão.

 

Amor, estrela, lua.

O poeta flutua

na torre sem marfim solitária.

Fechado em seu tempo,

não vê que a vida é diária.                              

domingo, 2 de setembro de 2012


 

 

 
 
ESPREITA
 
Na cama, ouvimos gotejar o silêncio.
Entre lençóis apenas se escuta
o barulho de luzes
acendendo a noite.
As ruas caminham
com seus passos de paralelepípedos
Assustados com a chuva,
o corpo curvado da ladeira.
para se esquivar da acupuntura
das agulhas molhadas.
O quarto sobrevive
à queixa
e esperamos, indóceis, o silêncio escurecer.
 
Ronaldo Costa Fernandes
 
    Vejamos a presença da sinestesia neste poema, para distinguirmos o caso específico da sinestesia nas imagens sensoriais.Esta figura de palavra  consiste em agrupar e reunir sensações originárias de diferentes órgãos do sentido: visão, tato, olfato, paladar e audição. Já denominamos de imagem sensorial, quando existe apenas a referência aos sentidos, mas sem a sua união.
    No terceiro verso, temos “ barulho de luzes’ e no último, “silêncio escurecer”, ou seja, a imagem une os sentidos auditivo e visual nos dois casos.
 
 Marcus Vinicius Quiroga