domingo, 9 de outubro de 2016

MÁQUINA MUNDI, A MÁQUINA DE GUERRA POÉTICA


                                                     MARCELO MOURÃO



FLOR AMARELA   (Ivan Junqueira)

Atrás daquela montanha
tem uma flor amarela;
dentro da flor amarela,
o menino que você era.

Porém, se atrás daquela
montanha não houver
a tal flor amarela,
o importante é acreditar

que atrás de outra montanha
tenha uma flor amarela
com o menino que você era
guardado dentro dela.


FIO DE ARIADNE   (Marcelo Mourão)
Para Ivan Junqueira

Mesmo que a chuva destrua
a rua, o muro, a rede elétrica,
olhe a casa que água não levou
e veja que você está dentro dela.


Mesmo que o sol não volte a
abrir o sorriso da primavera,
olhe no interior daquela flor
e veja que você está dentro dela.

Mesmo que a luz se dilua
e os cegos se espalhem pela Terra,
olhe a voz que ninguém apagou
e veja que você está dentro dela.

Mesmo que os dias não mudem
- mesmo filme na mesma tela –
olhe a criança que ficou na plateia
e veja que você está dentro dela.

Mesmo que o mundo todo desabe
e não sobre pedra sobre pedra,
olhe suas mãos, o chão que ficou
e a vida ainda viva além da janela.



Em Máquina Mundi, livro lançado agora com sucesso por Marcelo Mourão, vemos esta homenagem ao poeta Ivan Junqueira, um texto feito a partir de Flor amarela. Aliás, muitos são os diálogos literários que encontramos no instigante livro de Marcelo, sendo, portanto, a intertextualidade uma das marcas de seus últimos poemas.

Faça um poema em que haja também uma referência imagística a um texto de outro autor, como no exemplo.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

AGORA FALANDO SÉRIO





AGORA FALANDO SÉRIO  Chico Buarque
 

Agora falando sério
Eu queria não cantar
A cantiga bonita
Que se acredita
Que o mal espanta
Dou um chute no lirismo
Um pega no cachorro
E um tiro no sabiá
Dou um fora no violino
Faço a mala e corro
Pra não ver a banda passar

Agora falando sério
Eu queria não mentir
Não queria enganar
Driblar, iludir
Tanto desencanto
E você que está me ouvindo
Quer saber o que está havendo
Com as flores do meu quintal?
O amor-perfeito, traindo
A sempre-viva, morrendo
E a rosa, cheirando mal

Agora falando sério
Preferia não falar
Nada que distraísse
O sono difícil
Como acalanto
Eu quero fazer silêncio
Um silêncio tão doente
Do vizinho reclamar
E chamar polícia e médico
E o síndico do meu tédio
Pedindo pra eu cantar

Agora falando sério
Eu queria não cantar
Falando sério

Agora falando sério
Eu queria não falar
Falando sério

     Nesta letra, Chico Buarque faz várias referências intratextuais e inverte inúmeras vezes um senso comum, uma expectativa óbvia, como nos seguintes versos: ”O amor-perfeito, traindo/ A sempre-viva, morrendo / E a rosa, cheirando mal”.
     Faça um poema em que haja inversões como estas que, na verdade, traduzem um momento e que não podem ser vistas como falta de sentido.


Marcus Vinicius Quiroga