JOÃO
CABRAL DE MELO NETO
UMA FACA SÓ LÂMINA
Assim
como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;
assim
como uma bala
do chumbo mais pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado;
do chumbo mais pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado;
qual
bala que tivesse um
vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo
vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo
igual
ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,
relógio
que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;
assim
como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;
qual
uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto
de um
homem que o tivesse,
e sempre, doloroso
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.
e sempre, doloroso
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.
Faça
um texto em que haja comparações, de preferência inesperadas, para a descrição poética
de um objeto.
FÁBULA DE UM ARQUITETO
A
arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e teto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e teto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
Até que,
tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.
Neste texto, temos “construir o aberto”, contrariando
a expectativa de ser sempre a construção de algo fechado.
Faça um texto em que haja este tipo de imagem,
usando algum verbo para criar a imagem-surpresa.
a expectativa de ser sempre a construção de algo fechado.
Faça um texto em que haja este tipo de imagem,
usando algum verbo para criar a imagem-surpresa.
FERREIRA GULLAR
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Traduzir-se se
estrutura em oposições (uma parte/outra parte) em todas as estrofes. Faça um texto
que tenha como base também algum tipo de oposição.
MAU DESPERTAR
Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum
Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas
Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorrem
uns restos de treva.
Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum
Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas
Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorrem
uns restos de treva.
No poema de Gullar, a imagem
final (uns restos de treva escorrem dos olhos) é a razão poética do texto.
Escreva um texto que se encaminhe para um final metafórico.
PERPLEXIDADES
a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado
a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado
O poema termina com um
aparente paradoxo (no presente do passado), causando um impacto na leitura.
Use o mesmo recurso em seu texto.
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