terça-feira, 15 de julho de 2014

GUARDEM OS POEMAS DE ASTRID CABRAL E ANTÔNIO CÍCERO



BALANGANDÃS

Tive anelzinho de ouro
com nome gravado na chapa
(no azougue mudava de cor)
Tive anelzinho de brilhante
pra usar no dedo mindinho.
Pulseiras de pau-d’angola
com berloques e sininhos
figa de marfim da índia
dente de onça encastoado
tive cordões trancelins
com santos bentos e cruzes
amuletos pra mau-olhado.
Argolinhas de prata brincos
pérolas gotas dançantes
montadas em marcassita.
Tive muitas medalhas
por prêmios escolares.
Colares de rosas saxe
e de miúdas madrepérolas.
Um relógio Longines pra...
nunca mais me atrasar...
Perdi os balangandãs
todos sem sequer me dar
conta e sem chorar nenhum.
Não soube cuidar. Não aprendi
a guardá-los fora da lembrança.

Astrid Cabral


GUARDAR

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
 Antonio Cicero




Compare os dois poemas quanto ao conceito de guardar e faça um poema em que haja a diferença entre o material (a gaveta) e o imaterial (a lembrança), como no final do texto de Astrid Cabral.
Use um substantivo abstrato diferente de lembrança. 

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