O Poema
Ou se vive por inteiro
ou pela metade a gente
escreve a vida
que não viveu.
E o papel em branco então serve
como serve ao prisioneiro
a parede branca do cárcere.
O que não foi é o ser que é
no poema, esse ato mágico
de uma chama que não se vê
tanto mais quanto ela queima
no ar de uma cela vazia
o homem que é posto em pé
sobre os mortos do seu dia.
Moacyr Félix
O poeta político Moacyr Félix aqui funde metalinguagem com política (no seu sentido mais amplo). Para nós, da oficina, chamo a atenção para a linguagem conotativa: símile na segunda estrofe e metáforas na terceira, e as áreas semânticas (prisioneiro, cela, cárcere; poema, folha em branco, escreve).
Se, por um lado, temos imagem mais gasta como “chama que queima”; por outro,temos imagem que permite múltiplas leituras,como os dois últimos versos.
Mas no momento o que queremos mesmo é pensar sobre a primeira estrofe, cujos versos lembram a estrutura de um axioma filosófico, uma afirmação, e isto aparece com certa frequência na obra de muitos poetas.
A opção posta por Moacyr tanto serve para a poesia, quanto para a vida. O aqui e agora, o espaço e tempo estão subentendidos, porque não há como separá-los. Ou estamos inteiro nas coisas mais simples e mais corriqueiras ou estamos em falta, e na falta. Ou, triste e ironicamente, como diz o poeta, pela metade cabe a nós escrever sobre metades.
Estar inteiro não é coisa de celebridade, de holofotes, de glamour, afinal a vida não é invenção da mídia; estar inteiro é coisa do dia a dia e do que (permitam-me o jogo de palavras) não se adia. Vida que se adia, sim, é vida pela metade.
Na vida, como na poesia, não há o que se esperar. E aqui (ou seria agora?) lembramo-nos de Ouro sob água, de Suzana Vargas:
...um homem
me perguntava
sobre a melhor forma
de começar um banho
sem reparar no profundo da questão
- Entro devagar
ou de uma vez por todas? Perguntou
-Por todas, respondi
Não há céu ou inferno
que comece devagar
Pela metade talvez equivalha a devagar e inteiro, a de uma vez por todas. E Suzana agora (ou seria aqui?) nos confunde com a sugestão de que a vida também é uma questão de advérbio de modo.
Hoje são feitas a vida e a arte; para amanhã, só o arrependimento e o remorso, matéria que normalmente dá tema psicanalítico ou religioso, mas não poético. Já este parágrafo insinua que a vida tem muito a ver com advérbios de tempo. Seja o advérbio que for, mas de preferência não seja para escrever a vida que não vivemos.
Ou se vive por inteiro
ou pela metade a gente
escreve a vida
que não viveu.
E o papel em branco então serve
como serve ao prisioneiro
a parede branca do cárcere.
O que não foi é o ser que é
no poema, esse ato mágico
de uma chama que não se vê
tanto mais quanto ela queima
no ar de uma cela vazia
o homem que é posto em pé
sobre os mortos do seu dia.
Moacyr Félix
O poeta político Moacyr Félix aqui funde metalinguagem com política (no seu sentido mais amplo). Para nós, da oficina, chamo a atenção para a linguagem conotativa: símile na segunda estrofe e metáforas na terceira, e as áreas semânticas (prisioneiro, cela, cárcere; poema, folha em branco, escreve).
Se, por um lado, temos imagem mais gasta como “chama que queima”; por outro,temos imagem que permite múltiplas leituras,como os dois últimos versos.
Mas no momento o que queremos mesmo é pensar sobre a primeira estrofe, cujos versos lembram a estrutura de um axioma filosófico, uma afirmação, e isto aparece com certa frequência na obra de muitos poetas.
A opção posta por Moacyr tanto serve para a poesia, quanto para a vida. O aqui e agora, o espaço e tempo estão subentendidos, porque não há como separá-los. Ou estamos inteiro nas coisas mais simples e mais corriqueiras ou estamos em falta, e na falta. Ou, triste e ironicamente, como diz o poeta, pela metade cabe a nós escrever sobre metades.
Estar inteiro não é coisa de celebridade, de holofotes, de glamour, afinal a vida não é invenção da mídia; estar inteiro é coisa do dia a dia e do que (permitam-me o jogo de palavras) não se adia. Vida que se adia, sim, é vida pela metade.
Na vida, como na poesia, não há o que se esperar. E aqui (ou seria agora?) lembramo-nos de Ouro sob água, de Suzana Vargas:
...um homem
me perguntava
sobre a melhor forma
de começar um banho
sem reparar no profundo da questão
- Entro devagar
ou de uma vez por todas? Perguntou
-Por todas, respondi
Não há céu ou inferno
que comece devagar
Pela metade talvez equivalha a devagar e inteiro, a de uma vez por todas. E Suzana agora (ou seria aqui?) nos confunde com a sugestão de que a vida também é uma questão de advérbio de modo.
Hoje são feitas a vida e a arte; para amanhã, só o arrependimento e o remorso, matéria que normalmente dá tema psicanalítico ou religioso, mas não poético. Já este parágrafo insinua que a vida tem muito a ver com advérbios de tempo. Seja o advérbio que for, mas de preferência não seja para escrever a vida que não vivemos.
Marcus Vinicius Quiroga
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