Exercício
Corrija a postura.
Dose a carga.
Varie os movimentos.
Concentre-se na execução.
Mantenha o ritmo. (Se preferir, acelere.)
Alongue a curiosidade.
Flexione as demandas.
Evite as certezas.
Cuide das lesões.
Aumente a resistência.
Contraia o pranto.
Repita o riso.
Fortaleça o espírito.
Supere a dor.
Melhore o desempenho.
Insista. Persista. Não desista.
Respire sonhos, desejos, fantasias.
Relaxe, descanse e comece tudo de novo.
A vida é uma grande academia. Viver, o inevitável exercício.
Estela Menezes
Um texto alegórico usa várias palavras da mesma área semântica metaforicamente. E difere da utilização de palavras que tenham relação de significado, sem, no entanto, terem sentido conotativo. No segundo caso, teríamos apenas a intensificação de uma área de significação.
No poema de Estela Menezes a palavra “academia” no último verso esclarece a alegoria realizada, lembrando que no texto alegórico vemos sempre inúmeras analogias. Ou seja, a poeta compara os exercícios da vida aos da academia: físicos de um lado; e não físicos (para ainda não dizermos metafísicos), de outro.
Pouco a pouco o vocabulário típico de uma aula de ginástica (postura, carga, movimentos, execução, ritmo..) é contaminado por palavras de outra área como curiosidade ou certezas. E adquirem ambiguidade em versos como “cuide das lesões” ou “aumente a resistência”, pois tanto podemos entender que se referem aos cuidados com o corpo ou com a mente. Isto sem mencionarmos a feliz fusão de “flexione as demandas”, quando as duas áreas se reúnem: a flexão externa e a demanda interna.
Do ponto de vista linguistíco, reparemos o uso reiterativo do modo imperativo, como se fosse a voz de comando de um professor de ginástica, cujo ponto máximo é o verso que desmascara as intenções do texto: “Respire sonhos, desejos, fantasias.”. Trata-se, portanto, de uma aula existencial, e não corporal.
Vejamos ainda como a autora diversifica o uso de vida e viver, de sentidos tão próximos. Se vida é a academia, o espaço para o exercício, viver – verbo de ação e intransitivo – é o próprio exercício, simples como flexões diárias, e denso, como os desejos e as fantasias mais profundas.
Este poema é um exemplo da interferência do poético (“exercícios” existenciais) no prosaico (academia de ginástica) e do deslocamento de sentidos, pois uma área de significados se apropria de outra. Diríamos até que a ideia do texto que antecede a sua realização é que já determinou o efeito poético.
A forma (alegórica e precisa) é que faz com que o leitor se sensibilize e pense sobre o que foi dito. Com permissão da poeta, propomos que escrever poesia também pode ser um inevitável (e agradável, por que não?) exercício.
Marcus Vinicius Quiroga