SACRO LAVORO
as mãos que escrevem isto
um dia iam ser de sacerdote
transformando o pão e o vinho forte
na carne e sangue de cristo
hoje transformam palavras
num misto entre o óbvio e o nunca visto
as mãos que escrevem isto
um dia iam ser de sacerdote
transformando o pão e o vinho forte
na carne e sangue de cristo
hoje transformam palavras
num misto entre o óbvio e o nunca visto
Paulo Leminski
Enquanto não surge um Picasso, uma obra que
desloque a visão do mundo, vejamos que cabe ao
poeta usar o material já existente de uma forma diferente. E talvez
isto seja originalidade. Insistimos: original talvez seja combinar de
um modo particular os recursos poéticos disponíveis no momento.
Em sã consciência, ninguém pode dizer que temos
uma poesia legitimamente nova, nem a que é feita pelos autores mais jovens.
Vemos que somos todos do século XX e que este século ainda é uma continuação,
sem indícios de rupturas profundas, como ocorreram há 100 anos.
O próprio Leminski é um exemplo. Herdeiro
das ditas vanguardas de 50 e 60, retoma o verso, valorizando a camada sonora
das palavras, realizando só em parte o princípio concretista do poema verbovoco-
visual; adiciona o humor, o trocadilho, o jogo de palavras; mantém a reflexão
metalinguística; prima pela concisão discursiva, sem cair no texto monossilábico,
e oferece uma obra que, principalmente depois de sua morte, exerceu forte influência
em alguns escritores.
O título de um de seus livros - “Distraídos - , venceremos” no qual ecoa o
lema “unidos, venceremos” serve para mostrar que, fazendo uso de uma referência
ao óbvio de nosso repertório (o lema políticos), ele introduz uma rima (distraídos)
que desfaz o pensamento inicial e a lógica, pois não esperamos que os
distraídos (e, sim, os atentos) vençam.
Leminki sabia que o “nunca visto”, ou
seja, 100% de informação nova, afasta totalmente a comunicação e ele, como
letrista também, reconhecia a necessidade do contato com o leitor de forma mais
rápida e eficiente. Não nos esqueçamos
de que o grau de comunicabilidade de um texto depende sempre da relação entre
redundância e informação nova. Se muito
redundante, não precisaria ter sido feito; se completamente novo, torna-se
hermético e não é compreendido. A arte exige que (com perdão da velha imagem)
andemos no fio da navalha.
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