sábado, 21 de abril de 2012




SACRO LAVORO

as mãos que escrevem isto
um dia iam ser de sacerdote
transformando o pão e o vinho forte
na carne e sangue de cristo

hoje transformam palavras
num misto entre o óbvio e o nunca visto

                                                                          Paulo Leminski

   Aproveitando a deixa de Leminski, pensemos o “óbvio e o nunca visto”. Há muito já ouvimos o impasse da arte no fim do século XX. Repetimos que tudo já foi feito e que não há possibilidade de inovações, no entanto os artistas persistem, sinal de que no fundo ainda acreditam em, de repente, não mais que repente, criar algo verdadeiramente novo.


    Enquanto não surge um Picasso, uma obra que desloque a visão do mundo, vejamos que cabe ao poeta usar o material já existente de uma forma diferente. E talvez isto seja originalidade. Insistimos: original talvez seja combinar de um modo particular os recursos poéticos disponíveis no momento.

    Em sã consciência, ninguém pode dizer que temos uma poesia legitimamente nova, nem a que é feita pelos autores mais jovens. Vemos que somos todos do século XX e que este século ainda é uma continuação, sem indícios de rupturas profundas, como ocorreram há 100 anos.

     O próprio Leminski é um exemplo. Herdeiro das ditas vanguardas de 50 e 60, retoma o verso, valorizando a camada sonora das palavras, realizando só em parte o princípio concretista do poema verbovoco- visual; adiciona o humor, o trocadilho, o jogo de palavras; mantém a reflexão metalinguística; prima pela concisão discursiva, sem cair no texto monossilábico, e oferece uma obra que, principalmente depois de sua morte, exerceu forte influência em alguns escritores.

     O título de um de seus livros  - “Distraídos - , venceremos” no qual ecoa o lema “unidos, venceremos” serve para mostrar que, fazendo uso de uma referência ao óbvio de nosso repertório (o lema políticos), ele introduz uma rima (distraídos) que desfaz o pensamento inicial e a lógica, pois não esperamos que os distraídos (e, sim, os atentos) vençam.

      Leminki sabia que o “nunca visto”, ou seja, 100% de informação nova, afasta totalmente a comunicação e ele, como letrista também, reconhecia a necessidade do contato com o leitor de forma mais rápida e eficiente. Não nos esqueçamos de que o grau de comunicabilidade de um texto depende sempre da relação entre redundância e informação nova.  Se muito redundante, não precisaria ter sido feito; se completamente novo, torna-se hermético e não é compreendido. A arte exige que (com perdão da velha imagem) andemos no fio da navalha.          


Marcus Vinicius Quiroga







          

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