segunda-feira, 30 de julho de 2012


Hölderlin   Nelson Ascherp/ Antonio Medina Rodrigues


Luz não se vê tão límpida
quanto, inundando a casa,
aquela que extravasa
fugaz de qualquer lâmpada
que, de repente, exalte-
-se e atinja, por um átimo,
à beira do blecaute
mais último, seu ótimo.
Cega ao fulgor, a orelha
talvez capte de esguelha
um ultra-som que, esgar-
çador como um lamento,
provém do filamento
no afã de se queimar.

Escreva um poema que capte um momento fugaz como o do exemplo acima.

Reflexão nº1

Murilo Mendes

Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.

Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.


Faça um poema motivado pelo último verso deste texto.
Não é obrigatório o seu uso.

quinta-feira, 12 de julho de 2012









Catar Feijão

1.

Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.



João Cabral



     A metalinguagem é uma das  características da obra de Cabral, mas não necessariamente a mais importante, como alguns veem. O número de seus poemas de temática social é dos maiores  de nossa literatura, entretanto ele não teve a fama de poeta social.

      Aqui ele compara o ato de escrever ao de catar feijão. Faça um poema em que haja uma comparação (desdobrada como no texto acima) com a criação poética.  

Marcus Vinicius Quiroga

quarta-feira, 11 de julho de 2012


Satélite

Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A lua baça
Paira.

Muito cosmograficamente
Satélite.

Desmetaforizada,
Desmitificada,

Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e enamorados,
Mas tão somente
Satélite.

Ah! Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas;
Sem show para as disponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia,
gosto de ti, assim:
Coisa em si,
-Satélite.




Neste poema, Bandeira critica a literatura gasta do Romantismo, que tinha na lua um de seus signos mais usados. Faça um poema em que haja uma crítica a alguma estética literária.



 O Autorretrato



No retrato que me faço

- traço a traço -

às vezes me pinto nuvem,

às vezes me pinto árvore…

às vezes me pinto coisas

de que nem há mais lembrança…

ou coisas que não existem

mas que um dia existirão…

e, desta lida, em que busco

- pouco a pouco -

minha eterna semelhança,

no final, que restará?

Um desenho de criança…

Corrigido por um louco!



Mário Quintana



Faça agora seu autorretrato poético.

terça-feira, 10 de julho de 2012




AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos  Drummond de Andrade

A partir do texto de Drummond, faça um poema que termine com um paradoxo, como nestes dois últimos versos a respeito do sentimento de ausência.


segunda-feira, 9 de julho de 2012


Momento Num Café



Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta



Manoel Bandeira



Tendo o texto como exemplo, faça um poema sobre a morte em que elementos

do cotidiano (café, chapéu, gestos)  estejam presentes.

quinta-feira, 5 de julho de 2012




Aos Nossos Filhos    Ivan Lins/Vitor Martins



Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim



Perdoem por tantos perigos
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos
Os dias eram assim



Perdoem a falta de folhas
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha
Os dias eram assim



E quando passarem a limpo
E quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos
Façam a festa por mim



Quando lavarem a mágoa
Quando lavarem a alma
Quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim



Quando brotarem as flores
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim







Ao Nosso Filho Morena  Oswaldo Montenegro


Se hoje tua mão não tem manga ou goiaba
Se a nossa pelada se foi com o dia
Te peço desculpas, me abraça meu filho
Perdoa essa melancolia


Se hoje você não estranha a crueza
Dos lagos sem peixe da rua vazia
Te olho sem jeito, me abraça meu filho
Não sei se eu tentei tanto quanto eu podia


Se hoje teus olhos vislumbram com medo
Você já não vê e eu juro que havia
Te afago o cabelo, me abraça meu filho
Perdoa essa minha agonia


Se deixo você no absurdo planeta
Sem pique-bandeira e pelada vadia
Fujo do teu olho, me abraça meu filho





Aos Filhos dos Hippies    Oswaldo Montenegro



Onde andam seus pais
Se cansaram da estrada?
Hippies, ingênuos e nus,
A vocês não dizem nada?


O que pensam seus pais
Da ilusão destroçada?
Velhos sonhos azuis
Derramados na calçada


Ainda cantam velhos blues
Sobre seres com asas?
Ou perderam na luz
O caminho de casa?


O que sentem seus pais
Quando alguém acha graça
Dos gentis samurais
Artesões pobres na praça?


O que dói nos seus pais
É a falta de esperança?
Ou seu olho que vai
Onde o deles não alcança?



    Aqui temos três letras que se referem a filhos e portanto a gera-ções. No caso, às gerações de 60, 70, 80, 90, através dos pais ou dos filhos. Por que, então, não fazer um diálogo entre estas gerações tão próximas e às vezes tão distantes, com letras que representem seus valores?

     Nas três obras, notamos o desencanto, a perda, com o passar do tempo, de ideais e ilusões. Nas duas primeiras, a coincidência do pe-dido de perdão e o reconhecimento de que algo diferente poderia ter sido feito. Este verso de Montenegro resume tal sentimento: “Não sei se eu tentei tanto quanto eu podia”.

    De geração para geração, vão sobrando dívidas e sonhos não realizados e, ao mesmo tempo, vamos herdando os caminhos e descaminhos. No século XX, as décadas de 20 e 60 foram as mais marcantes, as que simbolizam as maiores mudanças, independente de preferências subjetivas.

      Como o movimento hippie foi o último momento romântico da História (ainda haverá outros?), sucedido, mas não de imediato, pelo fabricado estilo yuppie de não ser, deu-se o aburguesamento dos jovens de todas as classes. Como diria (ele não disse) Joãozinho Trinta, pobre gosta de tênis Nike.

      A tecnologia dos 80 para cá criou botões e mouses para as mãos de todos e acorrentou-as nas telas e nos aparelhos. O mundo passou a ser o da “última geração”, sem trocadilho.

    O verso “os dias eram assim”, da Vitor Martins, são usados como desculpa ou explicação. Mas, se pensarmos bem, todos os dias de todas as épocas são “assim”. Vá lá que seja: há tempos em que os dias são mais “assim” do que em outros.

    Lamentamos o verso “perdoem a falta de escolhas”, da mesma canção, pois sempre teremos as escolhas e as circunstâncias. Acreditamos, portanto, que sempre há escolhas e dizemos esta frase com o propósito da ambiguidade.

   De falta em falta, vamos para a terceira letra e os versos “O que dói nos seus pais/ é a falta de esperança?”. Sim, a falta de esperança ou a falta do objeto de esperança é marca de gerações.

    Ou talvez seja apenas o que nosso olho não alcança.


Marcus Vinicius Quiroga

segunda-feira, 2 de julho de 2012


     MEIA LEITURA
                                              Sylvia Ripper



   A palavra destrabalhada
que sai alheia, erma dos olhos
quem sabe onde restará acabada
quem sabe dos seus desalinhos?
 
E se soubéssemos aonde iríamos?
não escrever o verso terminado?
ou temer torná-lo letra
torná-lo carne, pele no papel
para ser olhado, mordido
mal lido?


Ou só visto nas entrelinhas
ou só degustado nas entrevozes
e entreouvidos mal dito
este é um verso desmerecido


seria melhor calar sua fronte
e encarcerá-lo nos meandros
das mãos indevidas


ersos, versos,
melhor não escrevê-los
mas se não os fizermos,
se não dermos suas letras,


como vivemos
nós, os incompletos?









         Se rasparmos as duas últimas estrofes, como em um palimpses--to, encontraremos a referência a versos de um poema simples de Vinicius de Morais, consagrado certamente pela temática da paterni-dade. São eles:


“Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?”



         A intertextualidade, que já abordamos outras vezes, é uma das características da poesia nas últimas décadas do século XX e ainda em vigência. No caso temos uma intertextualidade implícita, pois o reaproveitamento dos versos de Vinicius não é evidenciado.   
         O poema, é claro, não é avaliado por esta ou aquela carac-terística, logo ser intertextual não é mérito ou demérito, mas uma forma de identificação. De qualquer modo, isto nos lembra de que a autora tem leituras (não só meias) e de que a literatura não nasce do nada. Há sempre uma relação com a história literária e com o pano de fundo da contemporaneidade.
      Na terceira estrofe, notemos o neologismo “entrevozes” que surge pelo contágio de entrelinhas e entreouvidos. A criação de uma palavra nova também é um exemplo do desvio poético, princi-palmente quando ela introduz nova significação, não sendo apenas um neologismo pelo neologismo. Já na primeira estrofe, temos o “destrabalhada”, que nos surpreende por inverter o desejado por todo escritor: trabalhar a palavra, reescrever o texto, cortar o excesso... Neste primeiro neolo-gismo, feito graças ao uso do prefixo de negação “des”, vemos também a concordância com a palavra “desalinho”, um pouco mais adiante.
      A palavra buscada, seja pela reutilização da palavra alheia
ou pelo fabrico da palavra nova, é sempre o risco do sentido unívoco, equívoco ou plurívoco. Mas homens e poetas, estes incompletos, não têm alternativa. 
                   
                        Marcus Vinicius Quiroga