I
Afundou
porque tinha pedras nos bolsos
Culpou a água
e não se desfez das pedras
II
O funcionário
quis impor horários
e métodos à água
E se surpreendeu
quando percebeu nas mãos
suas normas encharcadas
III
O engenheiro teve uma ideia inútil:
fazer um esteira de água,
para que o movimento
não o tirasse do lugar
IV
Nos salões
a boca ria alegrias e alegrias
No fim da noite
diante do espelho
a água lavou a anestesia
e os olhos se umedeceram de tristeza
V
Jogava água
todos os dias no vidro da janela
para enxergar o dia ensolarado
Teria sido mais fácil
se desfazer das escuridões
VI
Atirava baldes
obsessivamente no assoalho
porque não o admitia sujo
E a água escorria
para fora da história
VII
A água reconhece na nascente
a sua causa
Os dias que não veem o antes e o depois
ignoram a nascente
e buscam a água no vazio
VIII
Trancou portas e janelas
Muniu-se de teorias
e racionalizações
Não ouviu o relâmpago
e se espantou com a chuva
IX
Lavou todas as pegadas,
todos os resíduos
como o analista mandara
Apagou assim a estrada do retorno
X
Afundou
porque tinha pedras nos bolsos
Culpou os bolsos
e carregava as pedras nas mãos
Marcus Vinicius Quiroga