quarta-feira, 29 de abril de 2015

A ARTE DA OFICINA

















Paulo Henriques Britto



OFICINA

Escrever, mas não por ter vontade:
escrever por determinação.
Não que ainda haja necessidade
(se é que já houve) de autoexpressão,

ou sei lá qual carência faminta:
toda veleidade dessa espécie
estando de longa data extinta,
resta o desejo (que se não cresce

por outro lado também não míngua)
de estender frágeis teias de aranha
tecidas com os detritos da língua.

Uma ocupação inofensiva:
quem cai na teia sequer se arranha.
(E a maioria dela se esquiva.)


   Em mais um texto crítico e irônico, Paulo Henrique Britto reflete sobre o ato de escrever. Faça aqui um poema dizendo as causas que o levam à criação poética. 


sexta-feira, 17 de abril de 2015

A SURPRESA FINAL










Carlos Drummond de Andrade


Sociedade


O homem disse para o amigo:
— Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.

O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi hora de sair,
o amigo disse para o homem:
— Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmunga:
— Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: — Que idiota.

— A casa é um ninho de pulgas.
— Reparaste o bife queimado?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.


   Neste poema, em que Drummond se afasta do lirismo para fazer uma análise do comportamento humano e uma crítica a certo tipo de conduta social, observemos que o efeito da estrofe final, típico de pequenas narrativas como o conto, se dá graças à inversão. Ou seja, o amigo que falava mal do outro volta sempre a sua casa, quebrando a expectativa e a coerência de suas palavras. 
    O texto narrativo, com direito à diálogo, funciona como uma anedota (com final surpreendente) ou fábula, para ilustrar um pensamento ou uma observação. Reparemos ainda com a inversão traz  humor ao texto, pois o leitor na última estrofe dá também um riso interno, ao saber que o amigo retorna toda quita-feira à casa que ele tanto criticara,


sexta-feira, 10 de abril de 2015

A MÚLTIPLA ROSA DOS VENTOS






Rosa dos Ventos

E do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima para socorrer
E na gente deu o hábito
De caminhar pelas trevas
De murmurar entre as pregas
De tirar leite das pedras
De ver o tempo correr
Mas sob o sono dos séculos
Amanheceu o espetáculo
Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão
E a prudência dos sábios
Nem ousou conter nos lábios
O sorriso e a paixão
Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa dos ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
Numa enchente amazônica
Numa explosão atlântica
E a multidão vendo em pânico
E a multidão vendo atônita
Ainda que tarde
O seu despertar

    Uma das mais sugestivas letras da MPB se oferece a várias leituras, em virtude de sua carga simbólica. Interpretações de fundo social ou individual são possíveis.
     A melodia no caso também é exemplo de uma feliz união, pois transmite a gradação da letra e o seu clímax.
      Façamos um poema em que haja um contrate como nos seguintes versos:

Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão

com a violência do sentimento.


Marcus Vinicius Quiroga

segunda-feira, 6 de abril de 2015
















Murilo mendes


Corte transversal do poema


A música do espaço para, a noite se divide em dois pedaços.
Uma menina grande, morena, que andava na minha cabeça,
fica com um braço de fora.
Alguém anda a construir uma escada pros meus sonhos.
Um anjo cinzento bate as asas
em torno da lâmpada.
Meu pensamento desloca uma perna,
o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos namorados.
Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia,
um olho andando, com duas pernas.
O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força do homem.
A outra metade da noite foge do mundo, empinando os seios.
Só tenho o outro lado da energia,
me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais quem sou.



Observe a sequência de imagens arbitrárias que compõem
este "corte" e faça um poema também com imagens inesperadas
mas que se entrelacem.

Marcus Vinicius Quiroga

quinta-feira, 2 de abril de 2015

THE BOXER

















Paul Simon


THE BOXER


I am just a poor boy
Though my story's seldom told,
I have squandered my resistance
For a pocket full of mumbles, such are promises
All lies and jests
Still a man hears what he wants to hear
And disregards the rest
When I left my home and my family,
I was no more than a boy
In the company of strangers
In the quiet of the railway station,
Running scared,
Laying low, seeking out the poorer quarters
Where the ragged people go
Looking for the places
Only they would know
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie
Asking only workman's wages
I come looking for a job,
But I get no offers,
Just a come-on from the whores
On Seventh Avenue
I do declare,
There were times when I was so lonesome
I took some comfort there, le le le le le le le
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie
Then I'm laying out my winter clothes
And wishing I was gone,
Going home
Where the New York City winters
Aren't bleeding me,
Leading me,
Going home
In the clearing stands a boxer,
And a fighter by his trade
And he carries the reminders
Of ev'ry glove that laid him down
Or cut him till he cried out
In his anger and his shame,
"I am leaving, I am leaving"
But the fighter still remains, mmm mmm
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie
Lie la lie, lie la la la lie lie
Lie la lie, lie la la la la lie la la lie


  Algumas canções nunca se vão. É o caso de The Boxer, de Paul Simon.
  Ela nos fala de temas recorrentes: rompimento, partida, busca, escolhas,
  solidão, sobrevivência.. Faça agora um  poema sobre algum tipo de lutador,
   de forma que o leitor identifique qual é esta luta. Afinal, the fighter still remains.