sexta-feira, 17 de abril de 2015

A SURPRESA FINAL










Carlos Drummond de Andrade


Sociedade


O homem disse para o amigo:
— Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.

O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi hora de sair,
o amigo disse para o homem:
— Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmunga:
— Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: — Que idiota.

— A casa é um ninho de pulgas.
— Reparaste o bife queimado?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.


   Neste poema, em que Drummond se afasta do lirismo para fazer uma análise do comportamento humano e uma crítica a certo tipo de conduta social, observemos que o efeito da estrofe final, típico de pequenas narrativas como o conto, se dá graças à inversão. Ou seja, o amigo que falava mal do outro volta sempre a sua casa, quebrando a expectativa e a coerência de suas palavras. 
    O texto narrativo, com direito à diálogo, funciona como uma anedota (com final surpreendente) ou fábula, para ilustrar um pensamento ou uma observação. Reparemos ainda com a inversão traz  humor ao texto, pois o leitor na última estrofe dá também um riso interno, ao saber que o amigo retorna toda quita-feira à casa que ele tanto criticara,


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