quinta-feira, 23 de julho de 2015

DIÁLOGO DE TEXTOS







                                                      Adélia Prado

AGORA, Ó JOSÉ

É teu destino, ó José,
a esta hora da tarde,
se encostar na parede,
as mãos para trás.
Teu paletó abotoado
de outro frio te guarda,
enfeita com três botões
tua paciência dura.
A mulher que tens, tão histérica,
tão histórica, desanima.
Mas, ó José, o que fazes?
Passeias no quarteirão
o teu passeio maneiro
e olhas assim e pensas,
o modo de olhar tão pálido.
Por improvável não conta
O que tu sentes, José?
O que te salva da vida
é a vida mesma, ó José,
e o que sobre ela está escrito
a rogo de tua fé:
“No meio do caminho tinha uma pedra”
“Tu és pedra e sobre esta pedra”.
A pedra, ó José, a pedra.
Resiste, ó José. Deita, José,
Dorme com tua mulher,
gira a aldraba de ferro pesadíssima.
O reino do céu é semelhante a um homem
como você, José.



ESCOLHA UM POEMA DE DRUMMOND E FAÇA OUTRO,
ESTABELECENDO UM DIÁLOGO ENTRE OS DOIS, TENDO
COMO EXEMPLO O TEXTO DE ADÉLIA.















quarta-feira, 15 de julho de 2015

O OBJETO OBSCURO DA POESIA






                                     Sérgio Alcides 



FALTA


Maré baixa. O píer não se precipita
senão sobre o resíduo que vem dar na praia,
memória do mar, areia raiada ainda
pelas pegadas das águas em fuga, flauta
soprando invertida, para dentro de seus
pulmões: distância como concerto de sons
ausentes, renúncia da ventania, sujas
espumas abandonadas como se fossem bens,
algas e conchas entre ruínas de garrafas,
desperdício de mensagens, paus perdidos
de suas embarcações, com desespero de pregos
em sal e ferrugem, peixe afogado no ar   
descartável como os copos esvaziados, e,
lateralmente, o caranguejo flana entre
fragmentos de propaganda e etiquetas loucas.
O píer acusa o horizonte. Pendurada no canto,
a lua transparece no azul da manhã-marinha.


Repare a sequência de imagens que vão se desdobrando
como em um espiral. Faça um poema em que haja uma 
continuidade imagística, “definindo” poeticamente algum objeto.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

SINGULARÍSSIMA PESSOA


                                                  AUGUSTO DOS ANJOS


Budismo Moderno
  
Tome, Dr., essa tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo meu coração, depois da morte?

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contacto de bronca dextra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

Neste poema, como em outros, Augusto dos Anjos mescla dicções,
dando um ar novo ao soneto e à literatura do fim do século XIX, com
a qual também mantém afinidades . Faça um poema em que haja algum
tipo de mistura.