Thais Guimarães
A POETISA
(para Hissa Hilal, poeta beduína)
Um dia
não tive rosto
Em outra vida fui beduína
Não recebi moedas ao lavar a lâmpada
nenhuma paga que valha o óleo
queimado nas mãos
Um dia fui beduína aos 43 anos
e meus cabelos louros eram castanhos
com fios brancos sob o niqab negro
Em outra vida fui beduína
Não recebi moedas ao lavar a lâmpada
nenhuma paga que valha o óleo
queimado nas mãos
Um dia fui beduína aos 43 anos
e meus cabelos louros eram castanhos
com fios brancos sob o niqab negro
Porque
também fui beduína
poemas foram queimados
divorciados de mim
debaixo das patas
dos cavalos
poemas foram queimados
divorciados de mim
debaixo das patas
dos cavalos
Na
areia
minhas pegadas são réstias
que resistem
minhas pegadas são réstias
que resistem
Do
couro solado à imagem gasta
de uma boca nunca vista
uma língua vaza
pela fresta
de uma boca nunca vista
uma língua vaza
pela fresta
Porque
fui beduína
nascida com o dote
da palavra atribuída
à má sorte
nascida com o dote
da palavra atribuída
à má sorte
Entre
estacas provisórias
– escora
para cordas curtas
– escora
para cordas curtas
As
letras escritas por minhas mãos
pojaram de uma cana fendida
o leite de pedra
de peitos nunca vistos
e alentaram palavras consoantes
num papel sobre os joelhos
enquanto homens bebiam chá
e riam
à sombra
das tendas de frisa
pojaram de uma cana fendida
o leite de pedra
de peitos nunca vistos
e alentaram palavras consoantes
num papel sobre os joelhos
enquanto homens bebiam chá
e riam
à sombra
das tendas de frisa
Beduína,
agora levanto o véu
da alma
com a voz do vento
sem trégua
da alma
com a voz do vento
sem trégua
Um
eco
centelha no deserto
– rasga a burka do medo
na fenda de um niqab negro
centelha no deserto
– rasga a burka do medo
na fenda de um niqab negro
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Thais Guimarães
Thais Guimarães
Após a leitura deste belo poema, faça um em homenagem a outra poetisa.
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