segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A POESIA É RELAÇÃO!

A POEIRA DO TEMPO

Sentada na casa corto as unhas
dezoito andares acima de Jerusalém.
Levanto o olhar
a cúpula cintila em ouro e sol
a clara muralha defende o que está salvo.
Todos os dias
as minhas unhas crescem
E eu as corto sem recolher aparas.
Mais lento parece o alterar-se
das muralhas.
No entanto
todos os dias a história recolhe
a poeira
de suas pedras


Marina Colasanti


COM DANTE

Neste Castelo de Gargonza
Dante esteve um pouco antes de mim.

Escapava de inimigos (os gibelinos).
Pisava nestas pedras
ouvia o mesmo sino que na torre ainda há pouco batia.
Isso foi há oito séculos.

O que não é nada
diante das pedras
- e da poesia.


Affonso Romano de Sant’anna


Que o casal me perdoe, caso incorra em equívoco, ao escolher estes dois textos para mostrar a influência/confluência entre dois escritores, que, por acaso, são marido e mulher. Relendo os poemas, penso se não foi a palavra “pedra” que fez com que eu me lembrasse em particular destes dois textos. Talvez. Mas acho que há outras coisas ambos são curtos, com versos livres e quase todos brancos; ambos têm referências externas (Jerusalém e castelo em Gargonza); ambos têm dois momentos (Em “No entanto“ e em “o que é nada” dá-se a “reviravolta” poética; ambos se referem ao tempo (todos os dias. ainda há pouco, há oito séculos) e, especialmente, ao tempo histórico; ambos unem o abstrato com o concreto (a abstrata história recolhe a concreta poeira; a noção abstrata de oito séculos diante das pedras).
Difere o poema de Affonso porque, em seu final, confronta o tempo de oito séculos com a abstrata e/ou concreta (no bom sentido, é claro) poesia.
Ambos mostram como as coisas são relativas, mas, no segundo texto, o relativismo se acentua porque a comparação se dá também com a poesia (a história da poesia? a série literária? a poesia que existe em tudo e não só nos poemas?...) E, se lermos a poeira do 1º texto também como metafórica, ela se aproximará da poesia e deixará de ser concreta. Agora me pergunto se não seria a poesia uma espécie de poeira (e quase um anagrama) que se fixa no branco das páginas e que se espalha pelo ar dos séculos e das histórias.


Marcus Vinicius Quiroga

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