Em um período de obras, mais não-literárias do que literárias, veio-me a lembrança
um poema antigo, circunstancial, feito como consequência de outro longo tempo dedicado às obras de uma casa. Muitas analogias são possíveis sobre a construção, a reforma ou a descontrução de uma casa e de um homem. E as analogias servem como material (sem trocadilho) para reflexão.
A CASA E O HOMEM
NÃO, COM O HOMEM É DIFERENTE.
NÃO HÁ LICENÇA PARA REFORMA,
APROVAÇÃO DA PREFEITURA,
PLANTA-BAIXA, MESTRE DE OBRA.
COM O HOMEM NÃO É TÃO SIMPLES
QUANTO PÔR UMA PAREDE ABAIXO,
FECHAR UMA JANELA LATERAL,
OU VISTORIAR A INSTALAÇÃO ELÉTRICA.
MAIS DIFÍCIL AINDA QUANDO SE TRATA
DE UMA DEMOLIÇÃO POR INTEIRO:
NÃO HÁ AZULEJOS RAROS,
JANELAS COLONIAIS REAPROVEITÁVEIS.
COM O HOMEM NÃO HÁ AO MENOS
A PERSPECTIVA DO TERRENO
PARA UM PRÉDIO DE MUITOS ANDARES.
HÁ NA DEMOLIÇÃO SÓ A SUPERFÍCIE,
UM LIMIAR EM QUE NÃO SE DISTINGUE
O QUE É A TERRA DO ENTULHO
DA TERRA DA SEPULTURA.
UM HOMEM NÃO É UM ENDEREÇO
DO QUAL SE TENHA LEMBRANÇA.
QUANDO ELE DESAPARECE,
SUA AUSÊNCIA É TÃO BRANCA,
SEM POEIRA, SEM VESTÍGIO
SEM OS HEMATOMAS DA MARRETA.
UM HOMEM NÃO É RECOLHIDO
POR PÁS GIGANTES DE TRATORES
E DEPOIS LEVADO AO DEPÓSITO.
AO DORES DE UM HOMEM
NÃO SÃO VISTAS NO SEU PÓ.
TAMPOUCO ELE SERVE DE ATERRO,
MENOS AINDA DE ADUBO.
SE A DEMOLIÇÃO É POR INTEIRO,
O HOMEM VIRA SONHO INTERRUPTO.
Marcus Vinciius Quiroga
desconstrói...ressignifica e faz novos nós...
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