sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O USO DA PRETERIÇÃO

VERSO

Faço versos leves leves
são versos para brincar
não falo de vidas destruídas
vidas negadas de serem vividas.
Faço versos leves mas tão leves
que se quebram em mil
rimas ao se tocarem.
Não falo do trabalho forçado
do operário desrespeitado
nem de crianças famintas.
Versos leves que de tão leves
parecem feitos para sonhar.
Não falo da violência
se alastrando dos
estupros do corpo
e da mente.
Faço versos versos leves leves leves
de nada falam
os meus versos.

Auricéia





Preterição (ou paralipse)

É uma figura de retórica, uma figura de pensamento denominada preterição. Consiste em tratar um determinado assunto ao mesmo tempo que se afirma que ele será evitado, fingindo que não se quer falar dele

"Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção."

O trecho que acabamos de ler é de Machado de Assis, extraído do "Conto de Escola", uma de suas narrativas mais conhecidas. A citação vem a propósito de comentar uma figura de linguagem de efeito bastante curioso e, às vezes, irônico. Trata-se da preterição (ou paralipse), que, segundo o narrador machadiano, produz "excelente efeito no estilo". Ora, para evitar o autoelogio e, ao mesmo tempo não deixar de fazê-lo, usa o verbo de elocução modificado por uma negativa. Assim, afirma que não vai dizer algo, mas, ao mesmo tempo, o diz.
Certamente, num caso como esse, o discurso aparece revestido de ironia --figura por meio da qual se diz algo com o intuito de exprimir o seu oposto. Embora tenha dito que não contaria algo, na verdade o contou. Seria falso, no entanto, dizer que o recurso sempre se presta à ironia. Para evitar um discurso afetado ou pretensioso, há quem recorra à preterição. Dessa maneira, o assunto surge de maneira enviesada, mas é exatamente pelo fato de ser anunciado como secundário (ser preterido) que a atenção se volta para ele. (texto de Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa da Folha)
No caso do poema de Auricéia, a figura é usada para diminuir o impacto da violência do tema e versos como “Versos leves que de tão leves/parecem feitos para sonhar” soam irônicos. Desta forma, a autora tratou do tema, infelizmente tão recorrente em nossa realidade urbana, de modo original, fugindo à denúncia óbvia e mostrou que recursos estilísticos antigos (há o clássico exemplo de Cícero) podem ser usados hoje em dia com expressividade, ao contrário do que julga parte da crítica contemporânea.


Marcus Vinicius Quiroga

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