segunda-feira, 30 de março de 2015

USO DE PREFIXOS




























Desconstruir palavras

                    Para Luiz Gondim

Deitar o grão
na umidade da terra
Gerar alimento
fecundar o corpo

Redimir o desejo
do cio em chama

O sopro do vento
escava o verso
Constrói armadilhas
planta o poema
humaniza sonhos

Reconstruir o tempo
salva o poeta
da palavra desconstruída



Observe que o texto termina com uma antítese 
reconstruir x desconstruir. Faça um poema em que
os prefixos (como re e des) das palavras tenham 
um significado especial par a conclusão dos versos.


Marcus Vinicius Quiroga

quinta-feira, 26 de março de 2015

A ANTIRROSA










A Rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Neste poema, Vinicius revitaliza a rosa, gasto símbolo romântico,
dando a ela um sentido social: a rosa de Hiroxima, hereditária, radioativa,
estúpida, inválida e com cirrose.Escolha outra imagem romântica e a transforme,
dando-lhe um significado atual

Marcus Vinicius Quiroga.    

sábado, 21 de março de 2015

O ESPAÇO DO SER























OFÍCIO

Ocupo o espaço que não é meu, mas do universo.
Espaço do tamanho do meu corpo aqui, 
enchendo inúteis quilos de um metro e setenta 
e dois centímetros, o humano de quebra.
Vozes me dizem: eh, tu aí! E me mandam bater 
serviços de excrementos em papéis caídos 
numa máquina Remington, ou outra qualquer. 
E me mandam pro inferno, se inferno houvesse 
pior que este inumano existir burocrático. 
E depois há o escárnio da minha província. 
E a minha vida para cima e para baixo, 
para baixo sem cima, ponte umbilical 
partida, raiz viva de morta inocência. 
Estranhos uns aos outros, que faço eu aqui? 
E depois ninguém sabe mesmo do espaço 
que ocupo, desnecessário espaço de pernas 
e de braços preenchendo o vazio que eu sou. 
E o mundo, triste bronze de um sino rachado, 
o mundo restará o mesmo sem minha quota 
de angústia e sem minha parcela de nada.
 

Escreva um poema em que haja uma noção particular de espaço, como no texto de Nauro machado.

domingo, 15 de março de 2015

TEXTO E CONTEXTO


Águas de Março
Tom Jobim


É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho

É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol

É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira

É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira

É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão

É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É um pingo pingando, é uma ponta é um ponto

É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada

É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

Pau, -edra, -fim, -inho,
-esto, -oco, -ouco, -inho,
-aco, -idro, -ida, -ol,
-oite, -orte, -aço, -azol

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração




quarta-feira, 11 de março de 2015

















 Antonio Carlos Secchin



Biografia


O poema vai nascendo 
num passo que desafia: 
numa hora eu já o levo, 
outra vez ele me guia. 

O poema vai nascendo, 
mas seu corpo é prematuro, 
letra lenta que incendeia 
com a carícia de um murro. 

O poema vai nascendo 
sem mão ou mãe que o sustente, 
e perverso me contradiz 
insuportavelmente. 

Jorro que engole e segura 
o pedaço duro do grito, 
o poema vai nascendo, 
pombo de pluma e granito.
 
Depois da leitura deste texto, faça um poema
cujos versos se encaminhem para um desfecho
com a reunião de contrários, como em Biografia.


Marcus Vinicius Quiroga 

domingo, 8 de março de 2015

NOTÍCIA DE JORNAL
























NOTÍCIA DE JORNAL TIRADA DE UM POEMA


nada de meias-palavras
o abutre bica o fígado
independente do sol lá fora

nada de meias-verdades
um catre é sempre escuro

antes o jornal que o poema
quando o poema é máscara

antes e sempre a palavra áspera

nada de zelo ou mesura
o abutre bica o fígado
diante de todos os olhares

mas há quem cegue o poeta
para que ele cante e agrade

antes o jornal que o poema
se de mim o poema se afasta

se seu pudor só me traz asco

nada de falsas palavras
quando se quer ser inteiro
até e muito mais na falta

do fígado sempre bicado
das tripas sempre à mostra

antes o jornal e os desastres
para que eu também não me perca

e meu poema não deserte




 Em tempos de manipulação midiática excessiva, com abundância
de eufemismos, disfemismos, metáforas e desvios semânticos de 
toda ordem, tiro do fundo do baú um poema que fala do bom jornal 
(aquele que fazia o "bom combate"). Façamos um poema sobre 
desertores. O sentido desta palavra fica por conta do autor.


Marcus Vinicius Quiroga   

quinta-feira, 5 de março de 2015

A VISÃO CRÍTICA

















Murilo Mendes



MODINHA DO EMPREGADO DO BANCO

Eu sou triste como um prático de farmácia,
sou quase tão triste como um homem que usa costeletas.
Passo o dia inteiro pensando nuns carinhos de mulher
mas só ouço o tectec das máquinas de escrever.

Lá fora chove e a estátua de Floriano fica linda.

Quantas meninas pela vida afora!
E eu alinhando no papel as fortunas dos outros.
Se eu tivesse estes contos punha a andar
a roda da imaginação nos caminhos do mundo.

E os fregueses do Banco

que não fazem nada com estes contos!
Chocam outros contos para não fazerem nada com eles.

Também se o diretor tivesse a minha imaginação

o Banco já não existiria mais
e eu estaria noutro lugar.

Neste poema, Murilo Mendes critica a burocracia, a rotina e ganância,
entre outras coisas. Faça a sua modinha, mostrando a oposição entre a vida
do dia a dia e aquela idealizada por você.


Marcus Vinicius Quiroga


segunda-feira, 2 de março de 2015

O EFEITO DO PARADOXO


Sentimento do mundo


Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.



    A adversidade tão frequente em Drummond se apresenta na última estrofe em uma reunião de contrários, que seria semanticamente um paradoxo. Só que no caso este “paradoxo” não cria um choque, pois o leitor entende de imediato que o amanhecer na guerra não traz o sentido de esperança normalmente associado a esta palavra.

    As imagens de manhã e noite são corriqueiras na literatura, no entanto o desfecho do poema causa efeito pela identificação de manhã com noite, graças ao significado negativo de noite e formalmente pela ausência do verbo e pelo uso enfático da palavra (mais noite que a noite), como se a primeira noite fosse um adjetivo que qualificasse a segunda noite, que é substantivo.   





Marcus Vinicius Quiroga