terça-feira, 30 de agosto de 2011

EIS O POEMA SEGREDO. NÃO CONTE.



SEGREDO

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.

Carlos Drummond de Andrade


O texto de Drummond serve para muitas discussões. Poderíamos parar no primeiro verso e aceitar que de fato a poesia seja incomunicável ou, discordar, e pensar que é só (só?) uma afirmação poética e que, portanto, não deve ser lida literalmente.
Ou poderíamos refletir sobre a incomunicabilidade. Seria a poesia mesmo incomunicável? O que alcança o leitor? Ou há textos mais (in)comunicáveis do que outros?
Um misantropo de plantão diria que tudo é incomunicável, que não há diálogos, só monólogos. Mas deixemos a misantropia para Molière. E exercitemos a nossa tentativa de comunicação.
Já falamos na “estrutura” do poema como seu esqueleto, sua planta baixa e que ela se dá normalmente por algum tipo de repetição, em cuja forma o conteúdo vai se evidenciando. Por exemplo, no caso, temos uma hipótese (ouço dizer, tudo é possível, suponha) e um imperativo negativo que se repetem. E é nesta negação que reside a força do texto, especialmente quando, na última estrofe, os versos preparam para uma conclusão que é desfeita: os homens pediriam perdão, mas você não deve fazê-lo.
Tortos e gauches em nossos cantos, não pediremos perdão porque a história é uma escolha e como tal não deve ser perdoada.









Marcus Vinicius Quiroga

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