VERSO
Faço versos leves leves
são versos para brincar
não falo de vidas destruídas
vidas negadas de serem vividas.
Faço versos leves mas tão leves
que se quebram em mil
rimas ao se tocarem.
Não falo do trabalho forçado
do operário desrespeitado
nem de crianças famintas.
Versos leves que de tão leves
parecem feitos para sonhar.
Não falo da violência
se alastrando dos
estupros do corpo
e da mente.
Faço versos versos leves leves leves
de nada falam
os meus versos.
Auricéia
Preterição (ou paralipse)
É uma figura de retórica, uma figura de pensamento denominada preterição. Consiste em tratar um determinado assunto ao mesmo tempo que se afirma que ele será evitado, fingindo que não se quer falar dele
"Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção."
O trecho que acabamos de ler é de Machado de Assis, extraído do "Conto de Escola", uma de suas narrativas mais conhecidas. A citação vem a propósito de comentar uma figura de linguagem de efeito bastante curioso e, às vezes, irônico. Trata-se da preterição (ou paralipse), que, segundo o narrador machadiano, produz "excelente efeito no estilo". Ora, para evitar o autoelogio e, ao mesmo tempo não deixar de fazê-lo, usa o verbo de elocução modificado por uma negativa. Assim, afirma que não vai dizer algo, mas, ao mesmo tempo, o diz.
Certamente, num caso como esse, o discurso aparece revestido de ironia --figura por meio da qual se diz algo com o intuito de exprimir o seu oposto. Embora tenha dito que não contaria algo, na verdade o contou. Seria falso, no entanto, dizer que o recurso sempre se presta à ironia. Para evitar um discurso afetado ou pretensioso, há quem recorra à preterição. Dessa maneira, o assunto surge de maneira enviesada, mas é exatamente pelo fato de ser anunciado como secundário (ser preterido) que a atenção se volta para ele. (texto de Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa da Folha)
No caso do poema de Auricéia, a figura é usada para diminuir o impacto da violência do tema e versos como “Versos leves que de tão leves/parecem feitos para sonhar” soam irônicos. Desta forma, a autora tratou do tema, infelizmente tão recorrente em nossa realidade urbana, de modo original, fugindo à denúncia óbvia e mostrou que recursos estilísticos antigos (há o clássico exemplo de Cícero) podem ser usados hoje em dia com expressividade, ao contrário do que julga parte da crítica contemporânea.
Marcus Vinicius Quiroga
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
AINDA SOBRE UMA IMAGEM (A GARRAFA)
GARRAFA VAZIA
SUPONHA
QUE O LÍQUIDO DA CERVEJA
SEJA UM ESPELHO
PONHA-SE
FRENTE A FRENTE
COMO SE O TEMPO
ESTIVESSE A VÊ-LO
NO VAZIO
DA GARRAFA VAZIA
UMA LEMBRANÇA FLUTUA:
O QUE FEZ DA VIDA
QUE NÃO PARECE SUA?
SUPONHA
QUE O LÍQUIDO DA CERVEJA
SE ESPALHE PELA MESA
SINTA COM OS DEDOS
O CONTEÚDO QUE SE ESVAI
O GARÇOM TRAZ
MAIS OUTRA GARRAFA
TUDO PASSA EM SEGUNDOS
UM DESEJO NÃO SE ABAFA
OLHE NO FUNDO DO COPO
DE RELANCE, POR UM TRIZ
O QUE FEZ DA VIDA
QUE NÃO QUIS SER FELIZ?
Lúcio Ferreira
Há poucos dias vimos uma letra de Jim Croce e observamos a imagem da garrafa. Por coincidência, encontrei este texto (poema ou letra?) que também privilegia a imagem. No caso, chamamos atenção outra vez para a materialização (a garrafa) de um sentimento ou sensação de vazio. Um objeto feito para conter, conter líquidos, é usado com a finalidade de falar sobre a ausência, o não contido, ou como diz o texto, metaforicamente, o líquido que se esvai, que se espalha, que se perde.
O objeto do eu lírico serve também para motivar uma reflexão sobre o tempo perdido (esvaído como a cerveja), sobre a vida que não coincide, que não se reconhece no espelho do fundo do copo. No texto embriaguez e lucidez se misturam. A visão ébria não tem lateralidade e muitas vezes não vê o que está perto, mas ao lado.
A visão sóbria pode não ser uma virtude. De qualquer forma, nos lembramos dos versos de Baudelaire que sugere nos embriagarmos de vinho ou de virtude.A sobriedade é branca!
Marcus Vinicius Quiroga
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
IT GOES WITHOUT SAYING!
O EX-GAUCHE
O POETA HOJE TEM AGENTE,
SECRETÁRIA,
ASSESSOR DE IMPRENSA
JÁ NÃO PENSA EM POLÍTICA,
JÁ NÃO PENSA.
CAIU NAS GRAÇAS DA CRÍTICA
E ACUMULA
MEDALHAS DE OURO DAS ACADEMIAS.
O POETA AGORA É ARTISTA POP:
SÓ QUER SABER DA MÍDIA,
E DE SER LÍDER DO IBOPE,
SEU DIA
É PARA ENTREVISTAS,
FESTAS E FOTOGRAFIAS.
JÁ NEM SE LEMBRA DO TEMPO
EM QUE ESCREVIA POESIA.
O POETA HOJE TEM AGENTE,
SECRETÁRIA,
ASSESSOR DE IMPRENSA
JÁ NÃO PENSA EM POLÍTICA,
JÁ NÃO PENSA.
CAIU NAS GRAÇAS DA CRÍTICA
E ACUMULA
MEDALHAS DE OURO DAS ACADEMIAS.
O POETA AGORA É ARTISTA POP:
SÓ QUER SABER DA MÍDIA,
E DE SER LÍDER DO IBOPE,
SEU DIA
É PARA ENTREVISTAS,
FESTAS E FOTOGRAFIAS.
JÁ NEM SE LEMBRA DO TEMPO
EM QUE ESCREVIA POESIA.
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
UMA IMAGEM
TIME IN A BOTTLE
Jim Croce
IF I COULD SAVE TIME IN A BOTTLE
THE FIRST THING THAT I'D LIKE TO DO
IS TO SAVE EVERYDAY TILL ETERNITY PASSES AWAY
JUST TO SPEND THEM WITH YOU
IF I COULD MAKE DAYS LAST FOREVER
IF WORDS COULD MAKE WISHES COME TRUE
I'D SAVE EVERYDAY LIKE A TREASURE AND THEN
AGAIN I WOULD SPEND THEM WITH YOU
BUT THERE NEVER SEEMS TO BE ENOUGH TIME
TO DO THE THINGS YOU WANNA DO
ONCE YOU FIND THEM
I LOOKED AROUND ENOUGH TO KNOW
THAT YOUR THE ONE I WANNA GO THRU TIME WITH
IF I HAD A BOX JUST FOR WISHES
AND DREAMS THAT HAD NEVER COME TRUE
THE BOX WOULD BE EMPTY EXCEPT FOR THE MEMORY OF HOW
THEY WERE ANSWERED BY YOU
BUT THERE NEVER SEEMS TO BE ENOUGH TIME
TO DO THE THINGS YOU WANNA DO
ONCE YOU FIND THEM
I LOOKED AROUND ENOUGH TO KNOW
THAT YOUR THE ONE I WANNA GO THRU TIME WITH
O texto (poema ou letra) às vezes se baseia em uma só imagem. Neste caso, o tempo e uma garrafa. Mais uma vez estamos diante do uso do concreto e do abstrato, embora garrafa não nos lembre tempo, Temos, sim, a imagem concreta do tempo engarrafado, representando a imagem do tempo reservado para ser usado em “outro momento”.
Ou, talvez e também, Jim Croce queira nos lembrar da efemeridade do tempo (eterno tema, sem trocadilho), como vemos em “but there never seems to be enough time/to do the things you wanna do/once you find them”.
Na impossibilidade de guardar o tempo, para aproveitá-lo em uma situação melhor, só nos resta (e isto não é pouco) vivê-lo agora da melhor forma possível, pois as garrafas (até as do tempo) quebram.
Jim Croce morreu bem jovem em um acidente. Talvez soubesse (talvez não) que não devemos dizer não ao tempo, não devemos adiar, não devemos esperar. Deixemos a garrafa aberta e que o tempo e as imagens poéticas fluam.
Marcus Vinicius Quiroga
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
LIÇÃO DE POESIA
LIÇÃO SOBRE A ÁGUA (Antônio Gedeão)
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com exceções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
Reparemos como um poema surge de uma definição denotativa que tem, a princípio, apenas algumas rimas que indicam a intenção de ser poema. E, diga-se de passagem, não são rimas atraentes, mas corriqueiras. Súbito, no verso “Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão”, dá-se a reviravolta, e da denotação passamos para a conotação, com a instalação do poético.
O tema da morte é apresentado de forma extremamente original e não piegas ou sentimentaloide. De uma aparen-temente simples descrição, a da água, o texto, de forma irônica e sutil, refere-se a Ofélia de Shakeaspeare; da página de um dicionário para a tragédia teatral.
Acreditamos que, se no lugar de Ofélia fosse um nome qualquer, o poema perderia em parte o seu propósito, mas, mesmo assim, causaria efeito, pois falaria da morte através da definição da água. Sem criar suspense, o poeta só revela o verdadeiro objeto de seu texto nos quatro versos finais. Isto nos lembra que faz parte da literatura falar de uma coisa para querer dizer outra.
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com exceções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
Reparemos como um poema surge de uma definição denotativa que tem, a princípio, apenas algumas rimas que indicam a intenção de ser poema. E, diga-se de passagem, não são rimas atraentes, mas corriqueiras. Súbito, no verso “Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão”, dá-se a reviravolta, e da denotação passamos para a conotação, com a instalação do poético.
O tema da morte é apresentado de forma extremamente original e não piegas ou sentimentaloide. De uma aparen-temente simples descrição, a da água, o texto, de forma irônica e sutil, refere-se a Ofélia de Shakeaspeare; da página de um dicionário para a tragédia teatral.
Acreditamos que, se no lugar de Ofélia fosse um nome qualquer, o poema perderia em parte o seu propósito, mas, mesmo assim, causaria efeito, pois falaria da morte através da definição da água. Sem criar suspense, o poeta só revela o verdadeiro objeto de seu texto nos quatro versos finais. Isto nos lembra que faz parte da literatura falar de uma coisa para querer dizer outra.
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