O TERCEIRO OLHO
ao poeta recomendam muita calma
no emprego das palavras mais batidas:
saudade, coração, amor ou alma
cuidado a quem as usa em demasia
ao poeta recomendam uma
alquimia:
repita o mesmo nome sem vergonha
nem sempre a recorrência é negativa
não deixe que um sentido ao termo imponha-se
permita que o plurívoco se
alastre
até que o coração se torne estrela
e o amor, quem sabe, livre da saudade
encontre n’alma o tátil e passe a vê-la
no verso imprimo a vida, sem desgaste
por vezes a resgato quanto alheia
em outras, dela aparto-me em alarde
jamais decreto: a vida é ampla, estreita
há lances em que rimo vida e morte
há chance de estar solto mesmo em cela
alcance a paz de tudo o que o incomode
e sangre um vinho, e que ele faça a festa
não é difícil nem questão de sorte –
ninguém retorna igual de cada entrega
se transformando, atinge o que comove:
este infinito aberto a quem se cega
Igor Fagundes
Na
tradição lírica em que nos encontramos, palavras como saudade, coração, amor e
alma
Já foram muito usadas e, portanto, exigem cuidados
redobrados dos escritores contemporâneos. De preferência, falemos de saudade,
sem usar a palavra; já a palavra amor parece mais difícil de ser evitada, mas,
mesmo assim, vale a pena tentar fazer um poema de temática amorosa, sem
usá-la. Em letras de música, temos mais tolerância com os
lugares-comuns, as redundâncias, as repetições; já na poesia somos mais
exigentes e esperamos que os escritores
não redupliquem os textos já publicados nem façam apenas paráfrase do acervo
existente.
Dirão
alguns que poetas como Pessoa e Drummond usaram muito alma e coração,
respectivamente, dando aval para a utilização de tais termos. Diria eu que
gosto deles, apesar de ter bastante implicância com as duas palavras, pelo
simbolismo mais do que surrado do seu lirismo.
Um poema
não é só vocabulário, mas certamente a escolha das palavras é fundamental, mais
do que na prosa. Esta escolha é que faz com que diferencemos poetas da palavra
de poetas do verso, por exemplo. De qualquer forma, os dois precisam ter
cuidado com estes termos, pois não basta falarmos de sentimento para fazermos poesia. Este, aliás, é um equívoco
bem antigo.
Marcus Vinicius Quiroga