MEMÓRIAS RECENTES
(Carlos Pedala)
Baseado em “Lembrança do mundo antigo” de Carlos Drummond de Andrade
Clara andava de bicicleta pelo Aterro.
Jamais esquecia o protetor solar, o sol era forte.
As águas eram escuras e poluídas sob a ponte
Rio-Niterói.
Outros elementos eram o chumbo, o plutônio e o
rádio.
O policial militar não sorria, tinha medo de todos.
O pivete roubou a bolsa Louis Vitton da moça
O mundo inteiro estava esquentando, tudo era calor
ao redor de Clara.
A boca, o nariz, os olhos estavam fechados. Havia
perigo.
Os perigos eram a gripe aviária, o aquecimento
global e o mosquito da dengue.
Clara tinha medo do bonde descarrilhado.
Não abria e-mail desconhecido.
Sempre podia comprar vestido novo no cartão. Ia
para a liquidação do shopping logo cedo.
Havia liquidações, havia shoppings full-time
naquele tempo.
O texto de Carlos Pedala é uma
paródia do poema Lembranças do mundo antigo. Neste vemos o romantismo de Drummond,
que idealiza o mundo sem, obviamente, a linguagem romântica gonçalvina ou
castroalvina do século XIX. Lembremo-nos de que paródia significa a desconstrução
de um texto-matriz. Para tanto Carlos usa elementos “negativos” para corroer a
ambiência simples, porém bucólica do primeiro poema. O cromatismo agradável de
Drummond dá lugar a águas escuras e
poluídas. Os medos pequenos de Clara incorporam agora um medo mais sério e mais
universal: o aquecimento global.
O golpe misericordioso no texto
drummondiano é a substituição de jardim por shopping e liquidação. Os valores
capitalistas da sociedade de consumo não dão espaço para romantismo algum. A
natureza (jardim) desaparece. E o shopping com suas liquidações
assumem um tom jocoso e debochado que afasta o lamento da
perda de lirismo. No lugar de flores, sales.
Caro Marcus;
ResponderExcluirAgradeço demais à lembrança. É um incentivo a menção. A Oficina nos surpreende por nos dar tantas possibilidades e nos oferecer caminhos em meio a tantos poemas e tanta poesia, onde é fácil se perder. Seguindo seus passos, percebemos existir a real possibilidade de encontrarmos nosso próprio destino. Mas não é esse o ofício do Mestre?