quarta-feira, 2 de maio de 2012


MEMÓRIAS RECENTES

(Carlos Pedala)  Baseado em “Lembrança do mundo antigo” de Carlos Drummond de Andrade





Clara andava de bicicleta pelo Aterro.

Jamais esquecia o protetor solar, o sol era forte.

As águas eram escuras e poluídas sob a ponte Rio-Niterói.

Outros elementos eram o chumbo, o plutônio e o rádio.

O policial militar não sorria, tinha medo de todos.

O pivete roubou a bolsa Louis Vitton da moça

O mundo inteiro estava esquentando, tudo era calor ao redor de Clara.



As crianças olhava o computador: era divertido.

A boca, o nariz, os olhos estavam fechados. Havia perigo.

Os perigos eram a gripe aviária, o aquecimento global e o mosquito da dengue.

Clara tinha medo do bonde descarrilhado.

Não abria e-mail desconhecido.

Sempre podia comprar vestido novo no cartão. Ia para a liquidação do shopping logo cedo.

Havia liquidações, havia shoppings full-time naquele tempo.

                                                                


     O texto de Carlos Pedala é uma paródia do poema Lembranças do mundo antigo. Neste vemos o romantismo de Drummond, que idealiza o mundo sem, obviamente, a linguagem romântica gonçalvina ou castroalvina do século XIX. Lembremo-nos de que paródia significa a desconstrução de um texto-matriz. Para tanto Carlos usa elementos “negativos” para corroer a ambiência simples, porém bucólica do primeiro poema. O cromatismo agradável de Drummond dá lugar a águas  escuras e poluídas. Os medos pequenos de Clara incorporam agora um medo mais sério e mais universal: o aquecimento global.

       O golpe misericordioso no texto drummondiano é a substituição de jardim por shopping e liquidação. Os valores capitalistas da sociedade de consumo não dão espaço para romantismo algum. A natureza (jardim) desaparece. E o shopping com suas liquidações assumem  um  tom jocoso e debochado que afasta o lamento da perda de lirismo. No lugar de flores, sales.     




Um comentário:

  1. Caro Marcus;

    Agradeço demais à lembrança. É um incentivo a menção. A Oficina nos surpreende por nos dar tantas possibilidades e nos oferecer caminhos em meio a tantos poemas e tanta poesia, onde é fácil se perder. Seguindo seus passos, percebemos existir a real possibilidade de encontrarmos nosso próprio destino. Mas não é esse o ofício do Mestre?

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