quinta-feira, 24 de maio de 2012




O TERCEIRO OLHO



ao poeta recomendam muita calma

no emprego das palavras mais batidas:

saudade, coração, amor ou alma

cuidado a quem as usa em demasia



ao poeta  recomendam uma alquimia:

repita o mesmo nome sem vergonha

nem sempre a recorrência é negativa

não deixe que um sentido ao termo imponha-se



permita que o  plurívoco se alastre

até que o coração se torne estrela

e o amor, quem sabe, livre da saudade

encontre n’alma o tátil e passe a vê-la



no verso imprimo a vida, sem desgaste

por vezes a resgato quanto alheia

em outras, dela aparto-me em alarde

jamais decreto: a vida é ampla, estreita



há lances em que rimo vida e morte

há chance de estar solto mesmo em cela

alcance a paz de tudo o que o incomode

e sangre um vinho, e que ele faça a festa



não é difícil nem questão de sorte –

ninguém retorna igual de cada entrega

se transformando, atinge o que comove:

este infinito aberto a quem se cega



Igor Fagundes



    Na tradição lírica em que nos encontramos, palavras como saudade, coração, amor e alma

Já foram muito usadas e, portanto, exigem cuidados redobrados dos escritores contemporâneos. De preferência, falemos de saudade, sem usar a palavra; já a palavra amor parece mais difícil de ser evitada, mas, mesmo assim, vale a pena tentar fazer um poema de temática  amorosa, sem  usá-la. Em letras de música, temos mais tolerância com os lugares-comuns, as redundâncias, as repetições; já na poesia somos mais exigentes  e esperamos que os escritores não redupliquem os textos já publicados nem façam apenas paráfrase do acervo existente.

     Dirão alguns que poetas como Pessoa e Drummond usaram muito alma e coração, respectivamente, dando aval para a utilização de tais termos. Diria eu que gosto deles, apesar de ter bastante implicância com as duas palavras, pelo simbolismo mais do que surrado do seu lirismo.

     Um poema não é só vocabulário, mas certamente a escolha das palavras é fundamental, mais do que na prosa. Esta escolha é que faz com que diferencemos poetas da palavra de poetas do verso, por exemplo. De qualquer forma, os dois precisam ter cuidado com estes termos, pois não basta falarmos de sentimento para  fazermos poesia. Este, aliás, é um equívoco bem antigo.

Marcus Vinicius Quiroga

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