ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo
ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo
ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
BEM NO FUNDO
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nosso problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás nã há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nosso problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás nã há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas
LÁPIDE 1
epitáfio para o corpo
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.
epitáfio para o corpo
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.
Nestes três poemas de Leminski a palavra
"silêncio" costura as ideias e os hiatos, os intervalos entre
palavras e silêncios. Nos três também de alguma forma o humor. E que os
engravatados me perdoem, mas humor é fundamental, pois humor, xará Vinicius, é
uma espécie de beleza, só que inteligente.
No primeiro, o inesperado: convidar para ficar em
silêncio, não para conversar. E, segundo a lenda, isto ocorria
com Joyce e Beckett em Paris. Coisa de irlandeses, diriam alguns.
No segundo o tema igualmente
sério da 2ª e 3ª estrofes desemboca no comentário escrachado, com a
personificação caricatural dos problemas sob a forma de família. O ridículo da
imagem ameniza o possível sofrimento insolúvel.
E no terceiro, a ironia (ou
autoironia) se dá mais uma vez com a inversão: o silêncio é tudo o que poeta
tinha para dizer. Pode parecer tolo, mas tente dizer o silêncio com palavras e
veja que muitas vezes (em alguns momentos, na maioria das vezes) é o que cabe
ao poeta.
Quem quiser que ria com
Leminski que, paralelamente ao humor da ficção, envenenou-se até a última gota.
Se venenos silenciam, humores iluminam.
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