sexta-feira, 1 de junho de 2012


 


 




ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo

ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo

 

 


BEM NO FUNDO



no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nosso problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás nã há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas


LÁPIDE 1
epitáfio para o corpo

Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.



Nestes três poemas de Leminski a palavra "silêncio" costura as ideias e os hiatos, os intervalos entre palavras e silêncios. Nos três também de alguma forma o humor. E que os engravatados me perdoem, mas humor é fundamental, pois humor, xará Vinicius, é uma espécie de beleza, só que inteligente.


No primeiro, o inesperado: convidar para ficar em silêncio, não para conversar. E, segundo a lenda, isto ocorria com Joyce e Beckett em Paris. Coisa de irlandeses, diriam alguns.


No segundo o tema igualmente sério da 2ª e 3ª estrofes desemboca no comentário escrachado, com a personificação caricatural dos problemas sob a forma de família. O ridículo da imagem ameniza o possível sofrimento insolúvel.


E no terceiro, a ironia (ou autoironia) se dá mais uma vez com a inversão: o silêncio é tudo o que poeta tinha para dizer. Pode parecer tolo, mas tente dizer o silêncio com palavras e veja que muitas vezes (em alguns momentos, na maioria das vezes) é o que cabe ao poeta.


Quem quiser que ria com Leminski que, paralelamente ao humor da ficção, envenenou-se até a última gota. Se venenos silenciam, humores iluminam.



Marcus Vinicius Quiroga







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