domingo, 6 de maio de 2012


UM DIA DIFERENTE



Com o coração disparado,

entrei no mercado contente.

Não ia comprar feijão,

Outra coisa tinha em mente.



Ia pegar só besteiras,

aquilo que pedem as crianças

e os velhinhos também,

fazendo brilhar seus olhinhos.



Hoje ia ter o prazer

de fazer o que

não deveria fazer.



No carrinho fui colocando:

O suco de laranja do Bê,

o chocolate da Rosa,

os confeitos do Mateus,

o mate da Marcelinha.

A geleia de goiaba,

bem fininha,

para os dentes da vovó.

O pão de queijo da Helena

e uma bola para o Caio,

outra maior para Eduardo e André.

Maquiagem para Natália e Nina,

para Júlia e Letícia, sorvete

e empadinhas pro Marcelo.



E, assim, em devaneio,

o carrinho ficou cheio:

quatro sacolas repletas

depois da compra completa.



Nem vi o tempo passar!



A noite desceu o seu manto

e o céu clareou com a lua.

Parei o táxi embaixo do viaduto,

dei as sacolas para os meninos de rua.



Sylvia  Grabois





    Neste texto, observemos duas coisas: a  enumeração, usada aqui  para dar um  valor afetivo às compras, uma vez que elas foram feitas para determinadas pessoas, e não como uma lista  qualquer (o apelido e o diminutivo servem para humanizar e dar afetividade, criando intimidade com o leitor); e fundamentalmente a inversão.  Após a relação precisa dos destinatários das guloseimas do mercado, as sacolas com as comprar, para surpresa de todos, é entregue para anônimos meninos de rua.

     No caso, o fato de nomear exaustivamente os familiares para depois dar os “presentes” inicialmente a eles destinados para as crianças sem nome é bastante significativo. Ter nome ou não ter é também uma questão de identidade  individual e social. Falamos em “meninos de rua”, mas não em meninos de família ou da casa.

      A inversão que estrutura o texto já aparece na terceira estrofe, quando lemos que será feito o que não deferia ser feito, como se fosse um índice do que irá acontecer depois. Vejamos que os “índices”, mais frequentes na prosa, aparecem aqui em um poema narrativo: são palavras que servem de antecipação para fatos posteriores.


Marcus Vinicius Quiroga

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