GUILHERME ARANTES
OLHAR
ESTRANGEIRO
Vejo
as pessoas com o olhar mais estrangeiro
O olhar do estranhamento que não tem nada a perder
Vou sentar no meio-fio da rua, contramão da multidão
No frenesi dos carros sem sentido pra seguir
Não sou daqui
Que não tem pra onde fugir, oh yeah, baby!
Sem esconderijo pra sumir
Relógios galopando um tempo inútil que acelera
Quanto mais nos desespera está mais longe de acertar
A engrenagem não encaixa, e a cidade é uma cilada
Tem de tudo e não tem nada em que eu pudesse me achar
Não sou daqui
Que não tem pra onde fugir, oh yeah, baby!
Sem esconderijo pra sumir
Eu vejo um menino
Sujo na esquina
Ele podia ser meu filho
Com seu olhar perdido
O mesmo que eu tinha
E a poluição me faz chorar
ONDE
ESTAVA VOCÊ
Só o tempo em nós respondeu
Em que
se transformou
A
amizade que uma vez existiu
Quem
foi leal, quem ficou e o que se abandonou
Onde
estava você
Quando
mais eu precisei
Do
amigo pra lutar
Em
tempos de guerra e paz
Onde
andava você
Quando
o mundo me esqueceu
Na
areia do deserto e não te achei jamais
Tanto
trabalho que deu
Reconstruir
o chão
O
universo desabou, um furacão
Pedra
por pedra, valeu
O
aprendizado é assim
Onde
estava você
Quando
mais eu precisei
Do
amigo pra lutar
Em
tempos de guerra e paz
Onde
andava você
Quando
o mundo me esqueceu
Na
areia do deserto e não te achei jamais
Quando
somos jovens
Tantos
sonhos são pra durar
Muitos
são os álbuns
De
memórias pra guardar
Só o
tempo em nós respondeu
Em que
se transformou
A
amizade que uma vez existiu
Quem
foi leal, quem ficou
E o
que se abandonou
Onde
estava você
Quando
mais eu precisei
Do
amigo pra lutar
Em
tempos de guerra e paz
Onde
andava você
Quando
o mundo me esqueceu
Na
areia do deserto e não te achei jamais
Quando
somos jovens
Tantos
sonhos são pra durar
Muitos
são os álbuns
De
memórias pra guardar
Em homenagem à família Dinaldo Medeiros, vejamos estas duas letras do último Cd de
Guilherme Arantes para tratarmos da empatia. A primeira retrata uma situação
frequente em cidades grandes: o sentimento de estrangeiro do homem, quando olha
para tudo ao redor. No caso, a ideia da letra surgiu em São Paulo, que é de
fato uma metrópole com miséria e poluição.
A ambientação da rua já é revelada pelos versos
iniciais (“Vou sentar no meio-fio da rua, contramão da multidão/ No frenesi dos
carros sem sentido pra seguir “, mas é na última estrofe que surge a cena que
nos interessa. Aqui encontramos o menino sujo na esquina com olhar perdido,
como milhares de menores abandonados nas grandes capitais do mundo. Só que este
é diferente, pois “ele podia ser meu filho”.
Agora, sim, se dá a empatia. Como se a câmara do olhar trouxesse a visão
da lente panorâmica para o close. Ou
seja, o menino de rua anônimo e distante, ao lado de tantos outros,
individualiza-se a ponto de ser visto como o filho de quem o vê.
Ora, neste momento, se você (leitor/ouvinte)
é pai (ou tem o sentimento paternal) passa a pensar também nos meninos de rua
como seus possíveis filhos. A identificação se dá com o “eu” poético: ele é pai
e, nesta cena, olha para o mundo como pai. E o receptor que é pai provavelmente
vai sentir melhor o verso e gostar mais da canção. Eis, portanto, o verso-chave da letra: “Ele podia ser meu filho”.
E a reação emotiva, diante da infância pobre e abandonada, é o choro, que, na
megalópole, poderia ter como causa a poluição.
No verso final, dá-se a superposição do problema
ambiental e socioeconômico (a poluição) com o sentimento particular de um homem
em face de outro problema também socioeconômico, agora igualmente particularizado
(meu filho). Como se a poluição fosse um frágil disfarce para a verdadeira
causa do choro.
Já na segunda letra, a identificação ocorre com
ouvintes já maduros, pois os versos lamentam as amizades que se perderam no
tempo. Ao dizer “Quando somos jovens/tantos sonhos são para durar/Muitos só nos
álbuns/de memórias pra guardar...”, o eu
poético assume a distância em relação a sua juventude, que agora existe em álbuns
e na memória.
Os temas da passagem do tempo e das relações afetivas
dizem mais respeito a quem tem mais idade e, portanto, já viveu o desfazer destas
relações e refletiu sobre os efeitos das mudanças que acontecem na vida.
A inevitável empatia se dá, pois aqueles
que já não são jovens vão se lembrar dos amigos que ficaram para trás, dos que
desertaram dos sonhos da juventude, dos que abriram mão da lealdade e dos que
se transformaram em pessoas muito diferentes. No refrão “Onde estava/andava
você?” se encontra a síntese do sentimento nostálgico que perpassa toda a
canção.
Como exercício, que tal fazermos textos
em que haja algum tipo de empatia, como nos exemplos acima?
Marcus Vinicius Quiroga