sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

CLASSIFICADOS E POESIA



CLASSIFICADO

Procuro meeiro
disposto ao mundo
que descubra em mim
um cubo, explorando as doze faces
de dois olhos.
Procuro companheiro
disposto a tudo
que agudo se cure
surdo, ouvinte do som líquido
dos espasmos
Procuro aventureiro
disposto ao absurdo
que venha e se embrenhe
fundo,
descerrando o obscuro
de olhos rasos.
em troca, meio o mundo
do encantado.


Rita Moutinho


AVISO

Desfiz noivado
vendo sem uso
almofadas soltas
jogo
mesinha mármore rosa
cama sofá arquinha


Antonio Carlos Secchin

Ainda do livro Sete movimentos da alma, de Rita Moutinho, tiramos o texto Classificado, que, como Aviso, de Antonio Carlos Secchin, mostra o uso da linguagem de jornal na poesia. Tal fato nos remete inevitavelmente ao Poema tirado de uma notícia de jornal, de Manuel Bandeira.
O texto resgata palavras típicas de anúncios sentimentais, normalmente bastante objetivos, nos quais é feita a descrição do tipo desejado. Aqui, ao contrário, a linguagem é subjetiva e metafórica, ou seja, permite várias interpretações, o que a distingue do uso jornalístico, quando a leitura unívoca é o esperado.
As supostas afinidades entre quem põe o anúncio e quem responde a ele não são “realistas”, como descobrir no outro um cubo e lhe explorar as diversas faces. Estamos, sim diante da função poética obtida graças à transformação dos termos com sentido referencial.
Já no segundo texto, bem mais enxuto e lacônico, a linguagem característica de anúncio é mantida, sendo seu “recorte” da realidade a intervenção do autor que transfere o texto jornalístico para o espaço do literário. Enquanto o primeiro é lírico e tem o tom da espera/esperança de um encontro amorosos, o segundo é sutilmente irônico e iguala o noivado desfeito ao inventários das coisas de um enxoval sem uso.


Marcus Vinicius Quiroga

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