quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

PARADOXOS, APARENTES PARADOXOS

PEDRA COROADA

Ao Ricardo Cravo Albin

Pedra da verde Urca, pedra sedenta
Na vida que te espreita com o trote
Verde de barcos, potros sobre as lentas
Enseadas. E gaivota verde: a morte.

Hóspede sou bem junto ao leve porte
De tuas estrelas verdes na placenta
Da noite também verde o dorso solte
Com a Ursa, plena luz. No alto se assenta.

Verde Pedra coroada, na república
De auroras e selvas sobre a túnica
E muitos pés de sol, junto à cabeça.

E ao me ater em teu rosto que se arreda
Devagar para o céu, terrestre pedra,
É na nudez que ocultas a beleza.

Carlos Nejar

Este poema faz parte de um livro só de sonetos, O inquilino da Urca, de Carlos Nejar. Lá temos a figura do "inquilino" (hóspede no texto acima), que é uma variante
do clandestino ou do estrangeiro, temas tão gratos à literatura, porque refletem muito da condição humana.
Por ora, não falaremos de Nejar nem de Ricardo Cravo Albim, hóspedes verdadeiros
deste bairro tão especial, mas nos deteremos no último verso:"É na nudez que ocultas a beleza". Sem entrarmos aqui nas interpretações possíveis, queremos mostrar o paradoxo de ocultar na nudez, quando seria próprio dela a revelação.
Lembramo-nos do verso de Vinicius: "Era tão cheia de pudor que andava nua", que parece ser útil para uma comparação.
Mas, no momento, o que queremos é pensar como a literatura também pode ser vista como uma "uma nudez que oculta a beleza". Ou, dito de forma contrária, como uma vestimenta que exibe a beleza. De qualquer modo, estamos no terreno do ocultamento e desvendamento.Tanto escrever quanto ler lidam com o velar/desvealr de sentidos. E paradoxos muitas vezes servem ironicamente para dizer o contrário do que dizem, ocultando-se no desnudamento.

Marcus Vinicius Quiroga

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