sexta-feira, 17 de junho de 2011

O PROSAICO E O POÉTICO

Cena Familiar

Affonso Romano de Sant'Anna


Densa e doce paz na semiluz da sala.
Na poltrona, enroscada e absorta,
uma filhadesenha patos e flores.
Sobre o couro, no chão,
a outra viaja silenciosanas artimanhas do espião.
Ao pé da lareira a mulher se ilumina numa gravura
flamenga, desenhando, bordando pontos de paz.
Da mesa as contemplo e anoto a felicidade
que transborda da moldura do poema.
A sopa fumegante sobre a mesa, vinhos e queijos,
relembranças de viagens e a lareira acesa.
Esta casa na neblina, ancorada entre pinheiros,
é uma nave iluminada.
Um oboé de Mozart torna densa a eternidade



Observemos esta cena familiar que, a princípio descritiva,vai, aos poucos, se tornando poética. No verso “ao pé da lareira a mulher se ilumina numa gravura”, já temos o verbo iluminar, desfazendo o discurso referencial.
A partir daí, outras imagens vão surgindo: bordar pontos de paz, transbordar da moldura do poema ...
Mas é nos versos finais que o prosaico (a cena familiar que se dá em inúmeras casas) se faz poético, com a metáfora casa: nave iluminada e com a música de Mozart dando àquele momento status de eternidade.


Marcus Vinicius Quiroga

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