terça-feira, 6 de março de 2012

67, UM ANO ANTES DO ANO QUE NÃO TERMINOU


Assistindo ao DVD do Festival da Record de 67, lamentamos que o documentário, tanto tempo depois, não tenha abordado a questão do “balaio”, gíria usada na época para designar as músicas que já seriam finalistas, independente da seleção. Paulinho Machado de Carvalho ainda esclarece que seu desejo era que o festival se assemelhasse ao catch, que tanto sucesso fazia na ocasião. O telecatch era um programa de luta livre que criava personagens para seus lutadores: o mocinho, o vilão, o desonesto , o cruel, o balofo etc Para melhor compreensão do cath, recomendamos o artigo de Roland Barthes publicado em Mitologias (1956).

Não teria sido ChIco Buarque o mocinho e Sérgio Ricardo, o vilão? Mas tanto Roda viva quanto Beto bom de bola não eram canções para mocinhos acomodados. Ao contrário, desafinavam o coro dos contentes. Caetano, Gil, Roberto Carlos teriam quais personagens? A polêmica viola x a guitarra não seria um golpe de marketing? E assim segue...

Sem querer entrar no mérito da qualidade (talvez tenha sido de fato a geração mais talentosa da música em nosso país), chamamos atenção para a coincidência de nomes que se alternavam nos primeiros lugares dos festivais dos 60/70, no Rio e em São Paulo, tanto compositores como intérpretes: Vinicius de Morais, Chico Buarque, Edu Lobo, Baden Powel, Gilberto Gil, Vandré, Antonio Adolfo e Tibério Gaspar , Elis Regina, Evinha...

O balaio não desapareceu. Ainda faz parte dos concursos em todas as artes. Só que a maior parte do público não sabe disto. Não percebe que todo festival ou concurso é um tipo de Oscar, cujas indicações já bastam para aumentar a bilheteria do filme. Acreditamos que hoje em dia ninguém mais acredite na validade do Oscar, que sempre foi um prêmio da indústria cinematográfica com objetivos mais que explícitos de marketing: consolidação de nomes, divulgação, bilheteria... As nossas artes não dão o dinheiro hollywoodiano. Somos ainda a colônia, não a matriz. Mas de qualquer forma, mantemos o hábito de usar festivais, concursos e prêmios para lançar artistas ou legitimar os consagrados.

Paulinho Machado (o único depoimento interessante neste aspecto) é claro quando diz que o festival era só um “programa de televisão”, e de auditório, ou seja, era feito tendo em vista o público, que comparecia, como se fosse uma torcida organizada de clube. Aplaudiam e vaiavam sem ouvir a música, afinal estavam ali para torcer, não para apreciar música alguma. As claques (como se dizia) eram também um personagem no estilo do catch.

O legado destes festivais foram muitas canções de qualidade, não os mecanismos viciados de lançamento, promoção e consagração dos artistas da indústria fonográfica. Uma aparição no festival, uma boa colocação, uma vaia organizada, tudo aumentava as vendas dos discos, que, em suma, era o que importava.

Infelizmente as boas canções escassearam, permanecendo só os balaios na música, na literatura, na pintura, no teatro, no cinema...E que o público tenha a boa-fé de acreditar no critério e na lisura dos júris.

Marcus Vinicius Quiroga

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