Domingo no Parque
Gilberto Gil
O rei da
brincadeira
Ê, José!
O rei da confusão
Ê, João!
Um trabalhava na feira
Ê, José!
Outro na construção
Ê, João!...
A semana passada
No fim da semana
João resolveu não brigar
No domingo de tarde
Saiu apressado
E não foi pra Ribeira jogar
Capoeira!
Não foi pra lá
Pra Ribeira, foi namorar...
O José como sempre
No fim da semana
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo
Um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio...
Foi no parque
Que ele avistou
Juliana
Foi que ele viu
Foi que ele viu Juliana na roda com João
Uma rosa e um sorvete na mão
Juliana seu sonho, uma ilusão
Juliana e o amigo João...
O espinho da rosa
feriu Zé
(Feriu Zé!) (Feriu Zé!)
E o sorvete gelou seu coração
O sorvete e a rosa
Ô, José!
A rosa e o sorvete
Ô, José!
Foi dançando no peito
Ô, José!
Do José brincalhão
Ô, José!...
O sorvete e a rosa
Ô, José!
A rosa e o sorvete
Ô, José!
Oi girando na mente
Ô, José!
Do José brincalhão
Ô, José!...
Juliana girando
Oi girando!
Oi, na roda gigante
Oi, girando!
Oi, na roda gigante
Oi, girando!
O amigo João (João)...
O sorvete é
morango
É vermelho!
Oi, girando e a rosa
É vermelha!
Oi girando, girando
É vermelha!
Oi, girando, girando...
Olha a faca! (Olha
a faca!)
Olha o sangue na mão
Ê, José!
Juliana no chão
Ê, José!
Outro corpo caído
Ê, José!
Seu amigo João
Ê, José!...
Amanhã não tem
feira
Ê, José!
Não tem mais construção
Ê, João!
Não tem mais brincadeira
Ê, José!
Não tem mais confusão
Ê, João!...
Êh! Êh! Êh Êh Êh
Êh!
Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh!
Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh!
Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh!
Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh!...
Domingo no parque é um exemplo de letra que depende de música, como já vimos há bastante tempo aqui no blog. Sem a melodia e os arranjos do festival, o texto perde muito.
Vejamos alguns pontos. Trata-se duma letra narrativa que se inicia com a apresentação dos personagens; em seguida, temos a narrativa propriamente dita e os fatos que ocorrem com José e João são relatados. Lemos, então, um texto em prosa.
Na terceira estrofe, o uso da linguagem coloquial quebra as regras sintáticas e introduz poesia ao texto, apesar das rimas tão banais que se sucedem: João, mão, ilusão coração.
Na estrofe seguinte, temos uma relação semântica pobre: o espinho ferir e o sorvete gelar. Versos mais gastos não existem. No entanto, a graça da canção se dá com a música e com a sequência de
versos que sugerem o rodopiar de uma roda gigante, como se fosse uma onomatopeia auditiva e visual. As palavras não trazem conotações novas, mas o ritmo da música traduz a vertigem da roda girando e das imagens girando na mente de José.
Depois ocorre mais um fato: o crime passional. E os versos mantêm a tensão da roda, unindo rosa vermelha e sorvete de morango no sangue dos amantes mortos por José. A sucessão de cenas da letra leva ao clímax do duplo assassinato: o feirante mata o amigo operário e a namorada que o traía. A matéria que mais lembra notícia de jornal sensacionalista tem um
tratamento musical (mais do que poético) que a distancia da denotação jornalística. Curiosamente, o crescendo da relação triangular que termina com as duas mortes, dá vez a um comentário óbvio, em ritmo mais lento, dizendo que amanhã não haverá feira nem construção, e temos um cantor sorridente, quase feliz, acompanhado pelos muito jovens Mutantes que parecem dançar de tão animados.
Esta letra é útil para pensarmos como um texto que trabalha com repetições e clichês, graças à música e aos arranjos do maestro Duprat, trouxe novidade ao festival. As guitarras salvaram o velho triângulo amoroso com suas flores, sorvetes e facas. Mas isto já é outra história.
Marcus Vinicius Quiroga
Nenhum comentário:
Postar um comentário