terça-feira, 27 de novembro de 2012



AQUARELA
(Vinícius de Mores e Toquinho)

Numa folha qualquer 
Eu desenho um sol amarelo
 
E com cinco ou seis retas
 
É fácil fazer um castelo
 

Com o lápis em torno da mão 
E me dou uma luva
 
E se faço chover
 
Com dois riscos tenho um guarda chuva
 

Se um pinguinho de tinta 
Cai num pedacinho azul do papel
 
Num instante imagino
 
Uma linda gaivota a voar no céu
 

Vai voando, 
Contornando a imensa curva norte sul
 
Vou com ela viajando
 
Havaí, Pequim ou Istambul
 

Pinto um barco a vela, 
Branco, navegando,
 
É tanto céu e mar num beijo azul
 

Entre as nuvens vem surgindo 
Um lindo avião rosa e grená
 
Tudo em volta colorindo
 
Com suas luzes a piscar
 

Basta imaginar e ele está partindo, 
Sereno, lindo,
 
E, se a gente quiser,
 
Ele vai pousar
 

Numa folha qualquer 
Eu desenho um navio de partida
 
Com alguns bons amigos
 
Bebendo de bem com a vida
 

De uma América a outra 
Consigo passar num segundo
 
Giro um simples compasso
 
E num círculo eu faço o mundo
 

Um menino caminha 
E caminhando chega num muro
 
E ali logo em frente
 
A esperar pela gente o futuro está
 

E o futuro é uma astronave 
Que tentamos pilotar
 
Não tem tempo nem piedade
 
Nem tem hora de chegar
 

Sem pedir licença 
Muda nossa vida
 
E depois convida
 
A rir ou chorar
 

Nessa estrada não nos cabe 
Conhecer ou ver o que virá
 
O fim dela ninguém sabe
 
Bem ao certo onde vai dar
 

Vamos todos numa linda passarela 
De uma aquarela
 
Que um dia enfim
 
Descolorirá
 

Numa folha qualquer 
Eu desenho um sol amarelo
 
(que descolorirá)
 
E com cinco ou seis retas
 
É fácil fazer um castelo
 
(que descolorirá)
 

Giro um simples compasso 
E num círculo eu faço o mundo
 
(que descolorirá)
 


     Sem dúvida, Toquinho e Vinícius de Moraes  tiveram um dos “casamentos” mais felizes da MPB   E o segundo tratava de fato suas parcerias como casamentos. Mas reparemos como se dá o casamento entre letra e música em Aquarela.
      Esta canção fez muito sucesso e se tornou um hit da dupla, agradando ao público dos 8 ao 80. A área semântica infantil nos faz pensar em uma canção para crianças. Subitamente os versos “ E o futuro é uma astronave/Que tentamos pilotar” mudam tudo, pois tentamos pilotar”, já não temos a certeza e o controle.
      Distraídos, talvez cantemos alegres a canção sem prestar atenção na armadilha dos versos finais. O refrão “que descolorirá” se intromete, sugerindo o desfecho adverso, ou seja, tudo será desfeito: o sol amarelo, o castelo e o mundo. Lembra-nos o caso de A Banda, de Chico Buarque, cantada normalmente com entusiasmo, embora terminasse de modo desiludo:”Mas para meu desencanto/O que era doce acabou/Tudo tomou seu lugar/Depois que a banda passou/E cada qual no seu canto/Em cada canto uma dor/Depois da banda passar/Cantando coisas de amor/Depois da banda passar/Cantando coisas de amor”.
    Leitores dos existencialistas, diríamos que o futuro é o próprio homem e somente por ele é feito, portanto, não teríamos desculpas para explicar ou ler os acontecimentos. E pensamos de forma contrária aos versos “Nessa estrada não nos cabe/ Conhecer ou ver o que virá”. Se o lápis se encontra em nossas mãos, como podemos nos surpreender com o desenho?  


Marcus Vinicius Quiroga 

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