AQUARELA
(Vinícius de Mores e Toquinho)
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
Com o lápis em torno da mão
E me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos tenho um guarda chuva
E me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos tenho um guarda chuva
Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota a voar no céu
Cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota a voar no céu
Vai voando,
Contornando a imensa curva norte sul
Vou com ela viajando
Havaí, Pequim ou Istambul
Contornando a imensa curva norte sul
Vou com ela viajando
Havaí, Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela,
Branco, navegando,
É tanto céu e mar num beijo azul
Branco, navegando,
É tanto céu e mar num beijo azul
Entre as nuvens vem surgindo
Um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar
Um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está
partindo,
Sereno, lindo,
E, se a gente quiser,
Ele vai pousar
Sereno, lindo,
E, se a gente quiser,
Ele vai pousar
Numa folha qualquer
Eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida
Eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida
De uma América a outra
Consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo
Consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo
Um menino caminha
E caminhando chega num muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente o futuro está
E caminhando chega num muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade
Nem tem hora de chegar
Que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda nossa vida
E depois convida
A rir ou chorar
Muda nossa vida
E depois convida
A rir ou chorar
Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos numa linda
passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
(que descolorirá)
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
(que descolorirá)
Eu desenho um sol amarelo
(que descolorirá)
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
(que descolorirá)
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo
(que descolorirá)
E num círculo eu faço o mundo
(que descolorirá)
Sem dúvida, Toquinho e Vinícius de Moraes tiveram um dos “casamentos” mais felizes da
MPB E o segundo tratava de fato suas parcerias
como casamentos. Mas reparemos como se
dá o casamento entre letra e música em Aquarela.
Esta canção fez muito sucesso e se tornou
um hit da dupla, agradando ao público dos 8 ao 80. A área semântica infantil
nos faz pensar em uma canção para crianças. Subitamente os versos “ E o futuro é uma
astronave/Que tentamos pilotar” mudam tudo, pois tentamos pilotar”, já não
temos a certeza e o controle.
Distraídos, talvez cantemos alegres a canção
sem prestar atenção na armadilha dos versos finais. O refrão “que descolorirá”
se intromete, sugerindo o desfecho adverso, ou seja, tudo será desfeito: o sol
amarelo, o castelo e o mundo. Lembra-nos o caso de A Banda, de Chico Buarque, cantada normalmente com entusiasmo,
embora terminasse de modo desiludo:”Mas para meu
desencanto/O que era doce acabou/Tudo tomou seu lugar/Depois que a banda passou/E
cada qual no seu canto/Em cada canto uma dor/Depois da banda passar/Cantando
coisas de amor/Depois da banda passar/Cantando coisas de amor”.
Leitores
dos existencialistas, diríamos que o futuro é o próprio homem e somente por ele é feito, portanto,
não teríamos desculpas para explicar ou ler os acontecimentos. E pensamos de
forma contrária aos versos “Nessa estrada não nos cabe/ Conhecer ou ver o que virá”. Se o lápis se encontra
em nossas mãos, como podemos nos surpreender com o desenho?
Marcus Vinicius Quiroga
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