MÁRCIO CATUNDA
TENTATIVA DE
ENTENDER ANTONIN ARTAUD
Criar a sorte,
à força de perder a vida.
Enumerar
fúrias,
sob o peso do
pensamento
e da música
que gira: fósforo secreto,
na espiral
instantânea.
Fluir na
cidade ardente,
neutralizando
a angústia,
mediante o
conhecimento imediato de si.
Esse foi o
resgate e o desperdício
que te embriagou
de cosmogonias
e te induziu
ao extremo estado de comoção.
Desde então,
apaixonado pela vida e pela morte,
consolava-te a
ideia de ser um corpo sem órgãos,
livre das
trevas absolutas;
a medula
desfrutando de raptos furtivos.
Tal foi o
preço dos instantes de deslizamento,
em que
percebeste o sem sentido das palavras.
Daí te
perdeste, na miragem de um cais,
inacessíveis
aos tormentos.
Depois de 58
eletrochoques, em Rodez,
acusaste
sempre os teus detratores.
Com láudano,
em vão,
anestesiavas
as feridas
e as instilações
dos demônios.
Lutaste contra
Deus e contra a psiquiatria.
Falavas de um
mal anterior a ti mesmo
e ansiavas
pelo delírio febril,
como revés das
absurdas esperanças.
Neste texto,
Márcio Catunda mostra que poesia também é conhecimento e/ou pesquisa (corpo sem
órgãos, Rodez, eletrochoque, psiquiatria), além de ser sempre linguagem (enumerar
fúrias / fósforo secreto na espiral instantânea/ miragem de um cais, inacessíveis aos tormentos...).
Escreva um
poema sobre alguém, revelando que houve trabalho de pesquisa e cuidado com a
linguagem.
Marcus
Vinicius Quiroga