terça-feira, 26 de outubro de 2010

ANALOGIAS


Vimos há pouco tempo Construção, de Chico Buarque, em que o autor usa a comparação em quase todos os versos. Notemos que se trata de uma das letras mais criativas da MPB, feita com a figura de linguagem mais simples: a comparação. Este exemplo serve para algumas coisas: por mais que a literatura tenha se modificado no século XX, as figuras de linguagem de que dispomos são as mesmas; podemos fazer um texto bom e até original com recursos antigos e batidos; a comparação (que qualificamos como a figura mais simples) é que estrutura o texto, ao lado, das rimas esdrúxulas.
Lembremo-nos de que a nossa aprendizagem se dá pela analogia, pois toda explicação busca semelhanças, que podem ser óbvias ou arbitrárias. Uma comparação pode ser um achado ou, pode, mesmo casualmente criar sentidos inesperados e não pensados antes. Além, é claro, de permitir n interpretações.
Neste poema de Fernando Pessoa, os versos se encaminham para uma comparação que tem um elemento objetivo, pois o rosto dela passa a chamar tanta atenção quanto um girassol, mas também tem elementos subjetivos, uma vez que as palavras evocam sentidos particulares para leitores diferentes. Girassol, por exemplo, tem cargas significativas e afetivas bem diversas. E tudo graças a uma simples comparação.



O AMOR É UMA COMPANHIA
Alberto Caeiro


O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

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