quarta-feira, 27 de outubro de 2010

UMA REFLEXÃO INTEMPESTIVA


Modinha do empregado de banco


Eu sou triste como um prático de farmácia,
sou quase tão triste como um homem que usa costeletas.
Passo o dia inteiro pensando nuns carinhos de mulher
mas só ouço o tectec das máquinas de escrever.


Lá fora chove e a estátua de Floriano fica linda.
Quantas meninas pela vida afora!
E eu alinhando no papel as fortunas dos outros.
Se eu tivesse estes contos punha a andar
a roda da imaginação nos caminhos do mundo.
E os fregueses do Banco
que não fazem nada com estes contos!
Chocam outros contos para não fazerem nada com eles.


Também se o diretor tivesse a minha imaginação
o Banco já não existiria mais
e eu estaria noutro lugar.


Neste poema de Murilo Mendes temos a oposição entre a imaginação, característica de todo artista, e o pragmatismo, típico de diretores e donos de banco. Esta dicotomia normalmente se dá durante toda a vida de quem lida com arte ou gostaria de ter alguma
atividade artística. Salvo exceções, os artistas têm dificuldade de cuidar das coisas práticas da vida, particularmente as profissionais.
A “modinha” do poeta mineiro apresenta o impasse: há uma vida lá fora, mais criativa, chamando por ele, que se vê obrigado a permanecer dentro do banco, em um serviço burocrático e alienante, que ele julga inútil.
Como usar a imaginação (ou a arte) em prol da realização pessoal e fazer da atividade artística (a literatura, por exemplo) também uma prática profissional é o desafio diário de todos os que escrevem.


Marcus Vinicius Quiroga

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