Pensando sobre a questão do que pode ser identificado como poético, deparamo-nos com a noção da subjetividade. Para muitos, poesia é um olhar subjetivo para o mundo e, graças a uma tradição sócio-cultural-econômica, o poeta, que não é remunerado por seu ofício, representa o oposto de valores capitalistas, elegendo como escolha as coisas simples, a natureza, tudo que vai na contramão do mercado. Esta visão também parece enraizada em boa parte do público leitor. Daí uma das explicações do sucesso dos livros de Manoel de Barros.
Aqui temos dois poemas como exemplo desta noção de poesia e subjetividade. O primeiro é Sonia Sales, tirado de seu livro 50 poemas escolhidos pelo autor, da Editora Galo Branco. E o segundo, de Fernando Pessoa.
Quando saio de uma sessão da tarde nas salas de cinema do centro cultural Lauro Alvin, também gosto de apreciar o pôr do sol no Arpoador e entendo bem o que a poeta diz. Lembrei-me ainda, lendo este texto, de um concerto de Tom Jobim no final do Arpoador e de sua frase “Enterrem meu coração nas areias desta praia”. Ora, a música de Tom, executada por ele mesmo, em um final de tarde, também nos remete a outra concepção de poesia.
SOU DONA DO MUNDO
Pisando em meregue
esparramando os dedos na areia
loura, torrada de fim de tarde
quase feliz vou contando
as latas de Coca amassadas
molengas.
Pipoca doce lambuzando minha boca.
Liberta, viva, caminhando
ao encontro do horizonte
com desejos amorais de amor.
Pranchas de surfe enfileiradas , como
soldados na Guerra do Vietnã
Gelatinas de algas escorrendo do mar.
Lavram-se escrituras, tomo picolé de chocolate.
Não quero riquezas
Sou dona do mundo
Tenho o pôr do sol do Arpoador
Sonia Sales
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Alberto Caeiro
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