quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A INTRATEXTUALIDADE

SAUDADE
(autoantologia ao modo de Manuel Bandeira)

É o que se traz do que se perde,
este lembra aqui sem ter agora.
essa lembrança
intermitente e calada
de casarios e cheiros.

Já quase nada
é o que já foi.

Ai se eu pudesse voltar...

Era tudo tão distinto
quando vim,
quando era tudo antes.
Luz, voz, coisas
que se vão por onde chegam.
Para onde?

Onde estão,
onde estavam, se há pouco sorriam?
Fala-me delas,
do tempo que as usou e despediu.

Mas
desconverso e me calo, porque desde
doendo uma saudade que nem sei.
Nem fosse perda o que a lembrança traz.


Izacyl Ferreira Guimarães



Manuel Bandeia certa vez escreveu um poema a que deu o elucidativo título de Antologia, reunindo versos de vários poemas, de forma que esta seleção compusesse um texto novo e que pudesse ser lido independente da leitura prévia dos textos originais.
Esta técnica de colagem nos parece o exemplo máximo de intratextualidade, pois todos os versos já existiam. Antologia é um texto inédito, por ser uma reorganização destes versos. Inédita mesmo foi a ideia de Bandeira.
Não nos esqueçamos de que Bandeira fez Poética e Nova Poética, Canção do Beco e última canção do Beco, como exemplos de textos em que há referências a outros de sua autoria. Ou seja, o exercício de intratextualidade já lhe era caro.
Agora temos em Na duração da matéria, recém lançado livro de Izacyl Guimarães Ferreira o poema Saudade, em o poeta carioca (e radicado em São Paulo) tem o mesmo procedimento, selecionado versos de diferentes poemas para a composição deste texto, perfeitamente adequado ao espírito do livro. Com isto, Izacyl criou um curiosos exemplo: um texto que ao mesmo tempo mantém relações intratextuais e intertextuais.
A intertextualidade é uma característica quase obrigatória do século XX, uma vez que a reflexão sobre a produção ficcional e teórica é típica deste século.
A metalinguagem não se originou no século passado, mas foi por ele “patenteada”. Não queremos dizer com isto que devamos fazer textos intertextuais, mas que nos parece uma consequência inevitável do interesse que o escritor (até primeiro como leitor) tem por outros escritores.
Já os poemas intratextuais ocorrem em menor número. Citemos outros exemplo: Legado de Carlos Drummond de Andrade, em que o poeta mineiro usa o verbo haver para “corrigir” o verbo ter, do famoso poema Uma pedra no meio do caminho. O verso “tinha uma pedra no meio caminho” aparece em “De tudo quanto foi meu passo caprichoso/ na vida, restará, pois o resto se esfuma, /uma pedra que havia em meio do caminho”.


Marcus Vinicius Quiroga

Nenhum comentário:

Postar um comentário