sábado, 2 de outubro de 2010

A POESIA COMO ARTE



   


“Em Londres, não faz muito tempo, em 1914, a maioria dos poetastros ainda estranhava a ideia de que a poesia fosse uma arte; eles achavam que a poesia devia ser feita sem qualquer análise, tinha que brotar’’.   Ezra Pound (in ABC da Literatura)

    O espanto de Pound diz respeito a uma visão estética de 1914, mas em 2010 ainda ouvimos comentários sobre poesia não muito diversos. E o verbo “brotar” ou equivalentes sempre significam que o poeta tem um dom especial, capaz de diferenciá-los dos demais seres, e que, às vezes, (não quando ele o deseja) se põe a escrever versos, cuja qualidade não pode ser questionada.
    Se compararmos a leitura de um poema com a audição de uma música, reconhecemos logo que esta é mal executada ou mal cantada e nos recusamos a ouvi-la. Já com o poema isto não se dá, jamais alguém interrompe a leitura de um poema.
     A desafinação da música dirão, e com razão, é mais fácil de ser percebida e de ser tecnicamente comprovada do que a “desafinação” de um poema, mas isto não quer dizer que este seja feito com menos técnica do que aquela.
     Entendamos que técnica não é sinônimo de regra. Diferentes gêneros musicais têm técnicas, como os poemas, sejam eles de versos livres ou metrificados, de versos brancos ou rimados, de registro formal ou vulgar etc
     Assim como não gostamos de certos gêneros de música, podemos não gostar de poema concreto , ou de elegia, ou de poema em prosa, ou de epopeia. A questão de gosto é pessoal, bem como as razões que nos fazem preferir um tipo de texto a outros.
     Pound nos lembra aqui da diferença entre o poema “brotado” e o poema feito com arte. Um não se quer elaborado, analisado e refeito, é apenas feito de um impulso subjetivo; já o outro exige a reescritura e o uso de recursos tidos como literários em uma determinada época.
     Se o poema “brotado’’ valoriza a espontaneidade e ignora a intenção poética, o que é feito com arte baseia-se em elementos de composição que representem um consenso de boa literatura por seus contemporâneos. Ora, é claro, que os críticos, com o tempo, mudam, e se os poemas parnasianos são há décadas mal vistos, boa parte da produção atual não seria qualificada sequer como literatura por escritores e críticos de formação parnasiana, no final do século XIX.
    As palavras de Pound, ditas em oposição a certos escritores londrinos de 1914, lembram-nos (caso tenhamos em algum momento esquecido) de que poesia é arte. E arte pode e deve ser aprendida e isto não equivale a dizer que qualquer um pode ser um bom poeta.
    Deem dicionários de referência, de sinônimos, de rimas a várias pessoas com a mesma formação universitária e peçam que façam poemas. Talvez nenhum deles o realize. Deem-lhe aulas de poesia e, mesmo assim, talvez anos depois ainda não tenhamos um bom poeta ou mesmo um poeta.
    De qualquer forma, se poesia é arte, e não desabafo, confissão, vômito discursivo, mas arte que não dá a garantia de ser sempre realizada satisfatoriamente. Uma coisa é reconhecer que para se fazer boa poesia é necessário estudo (diga-se bastante leitura), outra é achar quer toda pessoa culta pode ser bom poeta, o que é falso. A lição de Pound é quanto ao pensamento contrário, que é ingênuo e defensivo, pois, se poesia não for arte, não poderemos avaliar o que escrevemos e tudo que fizermos será uma obra-prima, não passível de comentários críticos.
    Não, o poeta não é um cidadão acima de qualquer suspeita.


                             Marcus Vinicius Quiroga

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