segunda-feira, 22 de novembro de 2010

AS INTERPRETAÇÕES



EXEGESE


Você quer se esconder, então se mostre.
Diga tudo que sabe sobre a vida.
Conte a sua experiência nos negócios,
proclame seu valor de parasita.
e deixe que discutam nas casernas
o seu bendito fruto entre as melhores
famílias desta terra.
Depois esconda tudo num poema
e fique descansado: ninguém lê.
Se ler, começam logo a ver navios
e achar que tudo é poetagem, símbolos,
desejos reprimidos,
psicanálises,
o diabo a quatro.
O poema não é uma caverna
sigilosa, com sombras tautológicas
nas paredes.
O poema é simplesmente
a sombra sem caverna, o vulto espesso
de si mesmo, a parábola mais reta
de quem escreve torto,
como um deus
canhoto de nascença.


Gilberto Mendonça Teles ( in Plural de Nuvens)


Este poema nos remete à questão da interpretação e nenhuma interpretação é isenta. Toda leitura traz as marcas do sujeito: na linguagem, na teoria, na abordagem, nas preferências temáticas e, principalmente, nos desvios.
Os versos de G. M. Teles são irônicos e jogam com os sentidos, exigindo releituras. Os seguintes:
"Depois esconda tudo num poema/ e fique descansado: ninguém lê.” nos fazem pensar no conto A carta roubada, de Edgar Allan Poe, quando um personagem esconde uma carta com moldura na parede.
Se as referências implícitas do texto esperam do leitor certo conhecimento para decifrar as metáforas, seu bom humor, por outro lado, libera a leitura para o prazer da linguagem coloquial e o espírito crítico, embora cada um que fale sobre “seus símbolos, seus desejos reprimidos.e sua poetagem’.
A semelhança dos psicanalistas, os críticos literários e ensaístas também veem sentido em tudo, também tudo interpretam. Mas não há como ser de outro modo. E cabe ao escritor escrever torto a parábola reta, e ao leitor a compreensão das palavras movediças.
As exegeses tanto falam do objeto em estudo quanto de quem o estuda. Daí podermos fazer a exegese das exegeses. Mas este não o nosso caso no momento. Só queremos nos aproveitar da linguagem lúdica deste poema e brincar também com as palavras, com inveja do verbo to play, quer seria muito mais adequado em sua plurissignificação.


Marcus Vinicius Quiroga

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