A obra de Fernando Pessoa tem influenciado inúmeros poetas e é uma das maiores referências em literatura de língua portuguesa, fazendo parte do nosso repertório comum. Hoje temos três textos dos poetas Eduardo Tornaghi, Carlos Drummond de Andrade e Paulo Henriques Britto, que estabelecem uma relação intertextual, de ho-menagem e reverência.
Propomos a leitura cuidadosa dos textos e depois, como exercício, a elaboração de um texto também pessoano.
SONETILHO
per Pessoa
Como Pessoa, eu não sei
se penso o que sinto ou
se não sinto o que pensei
confusão bem portuguesa
de quem não sabe o que é
come sal à sobremesa
escreve usando talher
só, ocupa todo o espaço
ao encolher-se de medo
não sabe que é o cansaço
que não o deixa dormir cedo
Já que não sei o que sinto
como Pessoa eu direi
toda verdade é que eu minto
Eduardo Tornaghi
SONETILHO DO FALSO FERNANDO PESSOA
Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto
muitas há que não vi.
Sem mim como sem ti
posso durar. Desisto
de tudo quanto é misto
e que odiei ou senti.
Nem Fausto nem Mefisto,
à deusa que se ri
deste nosso oaristo,
eis-me a dizer: assisto
além, nenhum, aqui,
mas não sou eu, nem isto.
Carlos Drummond de Andrade
PESSOANA
Quando não sei o que sinto
sei que o que sinto é o que sou.
Só o que não meço não minto.
Mas tão logo identifico
O não-lugar onde estou
decido que ali não fico,
pois onde me delimito
já não sou mais o que sou
mas tão-somente me imito.
De ponto a ponto rabisco
o mapa de onde não vou,
ligando de risco em risco
meus equívocos favoritos,
até que tudo que sou
é um acúmulo de escritos,
penetrável labirinto
Em cujo centro não estou
mas apenas me pressinto
mero signo, simples mito
Paulo Henriques Britto
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