quarta-feira, 17 de novembro de 2010

REUNIÃO
Antonio Carlos Secchin

Aqui estamos nós
unidos pelo sangue
e dispersos pela vida.
Sabemos de onde viemos,
mas não sabemos nossa saída.
De Antônio e Catarina
herdamos gestos, sonhos, corpos e voz.
Muito sabemos deles,
e pouco sabemos de nós.
Aqui estamos todos
- tios , sobrinhos, primos, avós – ,
corrente entre um ontem vivo
e um amanhã apressado,
frente a frente
com o futuro que nos chama,
cara a cara
com a chama de um passado.
Agora atravessamos juntos
Cachoeiro de ItapeSecchin,
esta estrada tropical da Itália
que desemboca em você e em mim.
E se recompondo o que nós fomos
este instante cintilar dentro de nós
num sopro que a vida não apaga
mesmo sozinhos não estaremos sós.




SABIÁ
Tom Jobim e Chico Buarque

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De um palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor Talvez possa espantar
As noites que eu não queira

E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar
E a solidão vai se acabar


VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


O X DO PROBLEMA
Noel Rosa

...................................................
Já fui convidada para ser estrela do nosso cinema
Ser estrela é bem fácil
Sair do Estácio é que é o X do problema
....................................................
Nasci no Estácio
Não posso mudar minha massa de sangue
Você pode ver que palmeira do Mangue
Não vive na areia de Copacabana


VOLTASTE
Noel Rosa

Voltaste
Para mostrar ao nosso povo
Que não há nada de novo
Lá no Centro da cidade
Voltaste
Demonstrando claramente
Que o subúrbio é ambiente
Que completa a liberdade




Nestes textos, temos a questão do lugar. Paralela à busca da identidade, há a busca do nosso lugar (a nossa ilha ou nosso continente). Em muito casos, as duas buscas se confundem e o reconhecimento da identidade se dá com o reconhecimento do lugar.
A utopia também é subjetiva, como vemos no bem humorado Pasárgada, cuja verso-título tornou-se um refrão, embora cada um tenha (ou imagine) a sua própria pasárgada. E o que é a utopia, este não-lugar? Talvez a utopia possa ser também algo fora do lugar.
De qualquer forma, este é um tema (diríamos mais do que um tema) presente em toda a literatura. Na primeira letra, Noel valoriza a relação “atávica” com o bairro do Estácio, berço do samba, pois, embora fosse (e ainda é) um bairro sem status, era a preferência do eu poético, porque lá ele tinha suas raízes. E em Voltaste, ele defende o subúrbio, área da cidade (e em particular a Penha) tão cantada por ele, dando sua visão (versão) do que é o subúrbio.
Já a letra de Chico fala da volta de um exílio para o país, no final de 60. Mas, lembrando-nos do poema de Quintana, a sua paródia da Canção do exílio, perguntamo-nos se não há outros exílios, dentro do país. Não sair do Estácio pode ter semelhanças com voltar de um exílio.
Revendo os textos de Chico e o de Secchin, vemos que ambos falam de solidão e, de certa forma, de maneira esperançosa, Um acredita que ela vai acabar; e outro, mais filosófico, relativiza a solidão no verso-chave (mais que chave de ouro): “mesmo sozinhos não estaremos sós”. O não-estar-só, no sentido de Reunião, nos remete à cidade particular de ItapeSecchin que, como Pasárgada, todos têm algo semelhante. A solidão (em seus vários sentidos) parece ter uma relação direta com o lugar em que estamos, pois há lugares em que nos sentimos mais ou menos sozinhos do que em outros. Isto sem referirmo-nos a solidões portáteis, que são carregadas para todos os lugares.
O peregrino, o errante, o nômade são personagens que talvez estejam apenas voltando para ItapeSecchin, para Pasárgada, para o Brasil, para o Estácio, para o subúrbio, enfim para si mesmo, esteja ele lá onde estiver.
Analistas gostam de fazer comparações com lugares internos e externos, traçando paralelos, por exemplo, com a arrumação das ideias e a de armários, no intuito de pregar sempre a elaboração e a organização.
Já os poetas, à revelia, muitas vezes guardam as coisas do lado de fora.


Marcus Vinicius Quiroga

Exercícios

1 – Faça um poema, construindo a sua Pasárgada, em referência a este famoso poema de Bandeira. Revisite o lugar “paradisíaco” do poeta.

2 – Faça um texto (poético ou prosaico) que trate da relação do homem com o lugar.

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