quinta-feira, 11 de novembro de 2010

SOBRE EMOÇÃO ATLÂNTICA




Tributo poético ao Rio de Janeiro


Emoção Atlântica, de Márcio Catunda, é uma celebração da poesia e da cidade do Rio de Janeiro Sem se alienar dos problemas sociais tão visíveis no dia a dia desta cidade, o poeta opta por fotografar os encantos da metrópole. E, sem fazer poesia para turista, elabora cada poema como se fosse um cartão-postal, um cartão de metáforas, reveladas por sua câmera-caneta.
Em não tendo nascido na cidade, o olhar do poeta é o do estran-geiro que lida com o objeto de seu desejo com paixão e erotismo. Em seus versos pulsa este desejo pela cidade-mulher. E aqui lembramo-nos da canção Cidade mulher de Noel Rosa, carioca de Vila Isabel, e de A cidade mulher, livro de crônicas de Álvaro Moreyra, carioca de Porto Alegre, só para dar dois exemplos da tradição de tratar a cidade como sendo feminina.
Em tom de ode, a obra se inicia com poemas de versos longos, à Whitman, em um ritmo dinâmico que arrasta o leitor pelas paisagens do Rio, apresentando-as, agora, pela alquimia da palavra. O texto, de extrema variedade metafórica, é matéria que se oferece ao olhar do leitor para que ele, aos poucos, reconstrua, esta cidade cuja natureza foi feita para o deleite dos que a veem.
O livro traça, portanto, um mapa de seus bairros, que vão surgin-do espontaneamente, à medida que o poeta vai visitando seus escritores. Catunda enumera vários: Gilberto Mendonça Teles, Affonso Romano de Sant’anna, Laura Esteves, Tanussi Cardoso, Ricardo Alfaia, Elaine Pauvolid, Thereza Motta, André Seffrin, Alexei Bueno e Torquato Neto, entre outros.
Trata-se, assim, de um livro de encontros, encontro com alguns poetas da cidade (e muitos, é claro, são de outros estados) e com as ruas de seus bairros. Ainda que não faltem referências a pontos turísticos tradicionais, como Pão de Açúcar, Corcovado ou Largo do Boticário, o poeta se dirige também às livrarias, aos locais dos eventos poéticos, e às casas onde moraram seus artistas e intelectuais, como Tom, Vinícius ou Assis Brasil. A viagem é múltipla: literal por suas ruas; literárias por seus escritores, e lírica por suas lembranças.
A referência exaustiva a inúmeros bairros (Leblon, Ipanema, Copacabana, Gávea, Cosme Velho, Laranjeiras,Tijuca,São Cristóvão, Bo-tafogo, Flamengo, Lapa, Gávea, Catumbi e Santa Teresa) vai da Zona Norte à Sul, passando pelo Centro, identificando, deste modo, para quem é de fora, não só áreas de encantamento natural, mas também do movimento literário que hoje ocorre em toda a cidade. No poema Exortação, o verso “Sairei pelas ruas com minha utopia’ explora as conotações da palavra utopia: lugar nenhum e ideal inatingível, de impossível realização. Ora, a cidade é o lugar definido pelas muitas imagens visuais, tornada real pelas citações de bairros, de ruas e até mesmo, mais especificamente, de cinemas (Roxy) e livrarias (Leonardo da Vinci). Mas é simultaneamente um lugar que só se realiza pelas lentes seletivas do poeta-fotógrafo que a retrata, tanto em fotos panorâmicas, quanto em 3 x 4.
Há, então, uma cidade feita de cimento, encravada no real e outra, de palavras, utópica e particular. O Rio de Janeiro de Márcio Catunda é o território da esperança, em que o poético predomina. Em seu caso, o lema latino do carpe diem parece apropriado, visto que o eu líri-co desde Noturnos declara que “Desfrutar o instante é um valor permanente./é fluir absorto, sem perceber o peso da vida./Minha única habilidade.” Tempo e espaço, portanto, se fundem em um união que chamaríamos, paradoxalmente, de atemporal, pois é um tempo da subjetividade, e que só ocorre nesta cidade mítica.
No poema que dá título ao livro, ainda afirma que “não haverá instante/em que eu não esteja pleno de lirismo.” Isto significa que o mapeamento histórico-geográfico feito pelos versos é mais do que tudo um mapa lírico em que os objetos (Pão de Açúcar, Corcovado, Lagoa Rodrigo de Freitas) são recriados pelo vocabulário, surpreendente pela mistura de registros diversos, e pela imagística, sempre sensorial, do poeta.
Este livro certamente faz o mesmo que a cidade com seus morado-res e visitantes, sejam eles de onde forem: transforma todos os seus leitores em cariocas. Cariocas, não no sentido de casa do branco, como usavam os indígenas; mas, no sentido histórico, de casa de todas as cores. Cidade e livro de apelos visuais, que, de frente para o mar, têm no ritmo de suas ondas e de seus versos a medida e a desmedida de sua poesia.


Marcus Vinicius Quiroga



ARTE POÉTICA

A poesia, a mais libertina das artes,
dá cambalhotas, dança no trapézio,
veste andrajos nos salões.
Só tem por limite o ilimitado.
Não tem arestas nem se prende à circularidade.
salta sobre as muralhas do jardim de Apolo.
A Dionísio faz curvas, cerimonioso.
tem de Narciso o inatacável riso.
O lampejo fluido da música
e a concretude da iconografia.
Alimenta-se da experiência
e quanto toca em si transforma.
Bebe a luz do nada e vibra nas cordas da essência,
em ressonância de nervos e neurônios.


Márcio Catunda





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